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O preço da mentira

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Publicado em 30/04/2023 às 06:00

Alterado em 30/04/2023 às 08:33

Jair Bolsonaro Foto: Epa

Na história da Humanidade, a mentira sempre tentou fazer sombra à verdade. Jesus Cristo foi conciso e direto aos apóstolos que não entenderam plenamente quando lhes disse que, em breve, ia “voltar à casa do Pai”, cujo caminho eles sabiam perfeitamente, lembrando-lhes: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”. Os chineses, que são uma civilização anterior à vinda de Jesus Cristo à Terra, assim como os hindus, também eram diretos: Diz um provérbio chinês que a “Meia verdade é sempre uma mentira inteira”. Para o jornalismo, que lida com os fatos e a interpretação dos fatos, falsear com a verdade é um pecado mortal.

No século passado, a Humanidade pagou caro pela adesão da sociedade alemã ao projeto nazista de Adolf Hitler, que se fundou sobre as mentiras propagandeadas cinicamente por Joseph Goebbels, que veio a ser seu ministro da Informação e Propaganda, depois que Hitler tomou o poder na Alemanha nazista. Goebbels dizia que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Sua pregação contra os judeus calou junto à pequena burguesia e os operários alemães e terminou por ceifar nada menor de 70 milhões de vidas na 2ª Guerra Mundial, dos quais, pelo menos 6 milhões de judeus foram exterminados no Holocausto.

O Congresso está sendo agitado desde a última semana pela criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por representantes dos diversos partidos no Senado e na Câmara dos Deputados, a CPI para investigar os Atos Golpistas de 8 de janeiro, de tentativa do poder. Os atos já estão sob inquéritos da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e da Advocacia Geral da União, sob a coordenação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que conduz os inquéritos das “fake news” contra as urnas eletrônicas, que têm ligação direta com o golpe frustrado.

Inversão de papéis

Reza a tradição do Congresso de que “as CPIs acabam em pizza”. Geralmente, meia calabresa, meia muçarela. CPIs fazem muito barulho e costumam dar visibilidade a seus integrantes. Razão pela qual trava-se disputa feroz pela escalação de presidentes e relatores da CPMI, bem como dos próprios representantes da oposição, que estão ávidos por tentar inverter a narrativa. Pegos em flagrante na tentativa de um golpe de Estado (sobre todas as instituições basilares do Estado Democrático de Direito, definido na Constituição de 1988 – O Executivo, o Legislativo e o Judiciário), os radicais bolsonaristas estavam acuados pelas acusações que já transformaram em réus três centenas dos mais de 1.500 destruidores do patrimônio nacional detidos na capital ou nos estados de origem.

Os bolsonaristas querem retomar a narrativa de que o governo Lula facilitou a tentativa de golpe, quando se sabe que houve uma ampla conspiração. A Secretaria de Segurança do Distrito Federal, cuja Polícia Militar é a responsável maior pela segurança de Brasília. Mas o seu comando foi transferido em 2 de janeiro para o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Anderson Torres, que ocupava o posto quando foi chamado, em abril de 2020, para substituir Sérgio Moro no ministério. Só que Torres escafedeu-se para Orlando (EUA), onde Jair Bolsonaro estava desde 30 de dezembro, antecipando férias, na véspera do golpe do dia 8, e deixou o esquema de segurança do DF desmobilizado.

Para piorar, o governo Lula não chegou a fazer uma limpeza no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O gabinete responde pela segurança do Palácio do Planalto, através da Guarda Presidencial, e do presidente e sra. e do vice e sra, além dos familiares. Conta, ainda, com a estrutura da Agência Brasileira de Informações (Abin) para ter informações de inteligência para agir preventivamente contra atos terroristas ou golpistas que ameacem a segurança institucional e dos mandatários.

Até uma semana antes, todos os membros do GSI, da Guarda Presidencial e da Abin haviam sido recrutados e comandados pelo general Augusto Heleno, velho conspirador contra a democracia e o mais fiel conselheiro de Jair Bolsonaro. Quando coronel, Augusto Heleno, era ajudante de ordens do então ministro do Exército Silvio Frota, e atuou intensamente na tentativa frustrada de Frota para tentar unir o alto comando do Exército para dar um golpe no presidente Geisel em outubro de 1977.

O general Geisel e seu chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, que foi o criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1964, sabiam trabalhar com informações confidenciais. E se anteciparam a Frota. Convocaram os generais de quatro estrelas para reunião no Palácio do Planalto. Enquanto Frota, com Augusto Heleno à frente, tentava receber os generais no aeroporto de Brasília para uma reunião no “Forte Apache”, o QG do Exército onde acamparam os bolsonaristas golpistas desde 30 de outubro, quando as urnas apontaram a vitória de Lula não reconhecida por Bolsonaro. A Abin, versão moderna do SNI, foi criada por Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1999, depois de criar, em junho, o Ministério da Defesa, sob comando civil, tirando o “status” de ministério do comando das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica. Era o avanço da democratização.

Mas, no dia em que o novo depoimento de Jair Bolsonaro na Polícia Federal sobre a mensagem publicada em sua rede social dia 11 de janeiro, três dias depois de quase todas as forças democráticas do país repudiarem o golpe, tomaria conta do noticiário, vaza o estranho vídeo captado pelas câmeras de segurança do Palácio do Planalto na tarde do dia 8. Nele aparece o ministro-chefe do Gabinete Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, orientando os invasores do 3º andar do Palácio do Planalto a descerem as escadas, junto com outras imagens de oficiais remanescentes da composição do GSI, até o 2º andar, onde seriam presos.

Entretanto, como o GSI não tinha sido “desbolsonarizado” por G. Dias, na 1ª semana do governo Lula, a sequência do vídeo apontou vários oficiais nomeados pelo general Heleno, e que seguiram atuando, sendo cordiais com os invasores e depredadores, aos quais cumprimentam como velhos conhecidos e servem água. No caso destes, os rostos estavam apagados, num indício claro de que os antigos pupilos de Augusto Heleno estavam no cerne da filmagem ignorada por G. Dias e na desmobilização interna das forças de segurança do governo federal no dia 8, formando um conluio com a omissão dos órgãos de segurança do governo de Brasília. Por isso, Moraes exigiu a identificação de quem teve os rostos apagados no vídeo.

O fato é que o vazamento deu ânimo aos aliados de Bolsonaro e Augusto Heleno de tentar criar confusão na CPMI, atenuando a culpa dos invasores e, por tabela, gerando obstáculos à tramitação de medidas importantes do governo Lula, como as medidas provisórias, o arcabouço fiscal e a futura reforma tributária. De quebra, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um fiel aliado de Bolsonaro, que usou e abusou da distribuição do Orçamento no governo passado, está tentando manter o seu poder quase absoluto na Câmara com a criação paralela de três outras CPIs: a sobre a atuação do MST na invasão de terras no governo Lula, a das Americanas e a da Manipulação de Jogos de Futebol, vinculada à jogatina dos sites de apostas.

CPMIs costumam terminar em pizza (muito barulho e quase nenhuma condenação). Nesta CPMI mista, os bolsonaristas, pegos com a boca na botija, querem inverter a narrativa. Querem fazer como o bando de ladrões que arrombaram o banco com alarde e chamaram a atenção da polícia, que encontrou na revista ao banco, amordaçado, o guarda de segurança que dormia quando os assaltantes entraram e o renderam. Na hora de depor ao delegado, disseram que o guarda facilitou o assalto...Se for assim, será pizza de meia verdade e meia mentira. O que subverte os fatos. Lembro uma famosa CPMI no governo Dilma. Em meados de 2014, o então diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, indicado à estatal pelo PP de Lira, proclamou solene: “Senhores, a Petrobras é uma empresa séria”. A CPMI seria arquivada sem condenações. Mas a operação Lava-Jato descobriu contas na Suíça da filha e do genro de Costa, que foram detidos. A partir daí, Costa abriu o bico. Foi condenado e cumpre pena domiciliar, com tornozeleira eletrônica. A CPMI da Covid e das vacinas não chegou ainda a muitas condenações, diante da lerdeza da PGR de Augusto Aras. Mas os fatos revelados desgastaram e levaram Bolsonaro à derrota, cuja imagem aliados e filhos tentam salvar.



FoxNews pega na mentira

Diz um velho ditado que a “mentira tem perda curta”. O dito popular virou mote para uma música da dupla sertaneja Tião Carreiro e Pardinho: “Mentira tem perna curta; Pra longe ela não vai; A verdade quando chega; Mentira voando sai; Vai voando igual o vento; Mesmo assim um dia cai”. Tião Carreiro, que era mineiro, lá pelas tantas, enaltece Tiradentes, como fez Chico Buarque em “Exaltação a Tiradentes”, cantada por Elis Regina: “Joaquim José, da Silva Xavier, morreu a 21 de abril, pela Independência do Brasil; Foi traído e não traiu jamais, a Inconfidência de Minas Gerais”, e termina a música “Mentira tem perna curta" com os seguintes versos: “A mentira está na guerra; A verdade está na paz; Lá na frente do juiz; A mentira se desfaz; A mentira é uma serpente; Só morre nos tribunais; A espada da justiça; E a verdade e nada mais”. Os tribunais quase sempre desnudam mentira.

Vejam o caso exemplar da FoxNews americana, do bilionário empresário australiano Robert Murdoch. Trata-se de um dono de jornais e revistas de escândalos que fez fortuna com a meia mentira. No Reino Unido, o foco principal dos seus tabloides eram fotos comprometedoras de membros da família Real. A princesa Diana foi alvo constante. Nos Estados Unidos, virou um dos mais poderosos formadores de opinião e influenciador na indústria de entretenimento. Murdoch controla, através da News Corp, o estúdio 20th Century Fox, a TV Fox, o canal National Geographic, uma fatia da empresa de TV por assinatura Sky, o “The Wall Street Journal”, jornal de maior circulação no país e com grande influência no mundo dos negócios e na classe conservadora, e o "New York Post", além dos jornais britânicos "The Sun" e "The Times".

A TV Fox passou a se alinhar com Donald Trump e virou a “emissora oficial vista por seus adeptos”. Sua pregação contra o isolamento na Covid e a resistência inicial às vacinas teve apoio da Fox. Porém, pressionado pelo Congresso e a mídia em geral, o governo Trump mudou de opinião e destinou bilhões às pesquisas de vacinas para a Pfizer e a Moderna, entre outros laboratórios. Mas Trump percebeu que perderia a eleição quando o Partido Democrata convocou todos a votarem pelo correio, para evitar os riscos de contágios nas filas de votação (a resistência às vacinas predominava entre os republicanos), e começou a pregar que, se não fosse eleito, seria fraude, e pôs em dúvida a eficácia das urnas da Dominion Voting Systems. Quando os resultados apontaram a derrota de Trump, a audiência da Fox despencou.

Foi aí que o apresentador Tucker Carlson, âncora do programa de maior audiência da FoxNews, em reunião com Murdoch e outros diretores, bolou um meio de reaglutinar a audiência dos eleitores republicanos. Foram requentar uma velha denúncia (deixada de lado por falta de credibilidade pelo próprio Carlson) de fraude nos sistemas da Dominion. Isso atraiu novamente a audiência dos eleitores de Trump, que acabou gerando a infâmia da invasão do Capitólio em 6 de janeiro.

Afetada em sua credibilidade nos seus negócios, a empresa acionou a Fox na Justiça e ganhou uma ação de US$ 787 milhões de indenização por difamação, perdas e danos. Não durou uma semana para a Fox demitir quem antes era sua estrela. Caro leitor, o que aconteceu com a Jovem Pan TV foi algo semelhante. Ao longo de 2022, a emissora aliada de Bolsonaro apresentava comentaristas e apresentadores dispostos a distorcer os fatos. Quando a derrota se consumou e os anunciantes fizeram uma debandada, os donos da emissora iniciaram demissão em massa para tentar mudar a imagem.

O desaforo a Fávaro

O agronegócio brasileiro tem dois grandes financiadores de suas atividades: a carteira de crédito agrícola do Banco do Brasil e o BNDES, cujas linhas de crédito do Modernfrota são franqueadas aos bancos privados, emprestadores finais. BB e BNDES destinam mais de R$ 450 bilhões ao agronegócio. A modernização da grande lavoura e da pecuária moderna, ambas movidas a crédito, deve-se muito à Embrapa, a empresa de pesquisa agrícola do governo federal que desenvolveu sementes para o clima e o solo do cerrado brasileiro. As sementes de soja, milho, algodão, girassol, sorgo, arroz e feijão desenvolvidos pela Embrapa mudaram a agricultura e até o mapa político do país, concentrando a produção agrícola no Centro-Oeste. As modernas máquinas agrícolas, que custam quase R$ 1 milhão, operam até sem mão de obra e são financiadas pelos fundos dos bancos oficiais. Que assim como a Embrapa e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) estão desde 1º de janeiro de 2023, sob o comando do governo Lula, eleito democraticamente nas urnas em 30 de novembro de 2022.

Mesmo com as toneiras do BB e BNDES fechando no ano passado na largada da safra, os produtores rurais e criadores de gado tiveram preferência por Jair Bolsonaro nas urnas em 2022. Entre outras coisas, porque o MAPA deixou o abastecimento de lado e liberou agrotóxicos aos montes, em dobradinha com a vista grossa do Ministério do Meio Ambiente às infrações ecológicas dos fazendeiros. Mas nos próximos quatro anos, seus negócios terão de ser tratados nos guichês do governo Lula. Chega, por isso, ser uma rematada tolice o coice político dos organizadores da 28ª Agrishow, a maior feira de máquinas agrícolas, realizada anualmente em Ribeirão Preto (SP), de fazer a opção preferencial de prestigiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, senador do PSD-MT, e político ligado ao agronegócio, foi solenemente escanteado do evento de abertura (agora cancelado) para uma mesa-redonda sobre “Mercado de Capitais e o Agronegócio”, na 3ª feira. Elegante, Fávaro declinou do desfavor. Domingo, em Uberaba, outra feira que reúne segmento conservador da agricultura brasileira, a ExpoZebu, abriu as portas fechando as porteiras ao governo Lula. Vale lembrar que o ex-presidente Getúlio Vargas era presença assídua em Uberaba. O oriundo da Índia, o gado zebu, com predomínio da raça Nelore e ainda das raças Gir e Guzerá, é o mais numeroso entre as mais de 225 milhões de cabeças bovinas do país, responsáveis pelo abastecimento do mercado interno e a exportação. A carne de zebu e a agricultura do cerrado puseram o Brasil como maior exportador de carne bovina e de frango do mundo. Tudo deriva da produção agrícola ter-se deslocado dos estados do Sul para o Centro-Oeste, quando antigos donos de 50 hectares venderam as terras a parentes ou vizinhos e foram desbravar (e desmatar) 1.000 hectares no cerrado e no bioma da Amazônia ao norte de Mato Grosso (zona de transição onde é obrigatório, pela lei ambiental, preservar 35% da natureza).

A modernização da agricultura empresarial precisa ser estendida à agricultura familiar, com educação e assistência técnica. Mas isso precisa também ter revolução da produção nacional de máquinas agrícolas voltadas ao pequeno produtor (a China tem uma produção gigantesca de máquinas que custam menos de US$ 5 mil para atender suas milhares de cooperativas). Quando isso acontecer, haverá aumento na produção (e redução de preços, pela maior oferta) de hortaliças, frutas e legumes. E o sentimento de bem-estar irá aumentar na sociedade.

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