A volta dos generais
O Brasil acordou hoje com um general na Presidência da República. O vice-presidente Hamilton Mourão assumiu a chefia de Estado, enquanto o ex-capitão Jair Bolsonaro participa do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Não havia um general no cargo mais alto da Nação desde 15 de março de 1985, quando João Baptista Figueiredo, irritado, negou-se a transmitir a faixa ao ex-aliado José Sarney, vice de Tancredo Neves, internado às pressas na véspera. Antes que acusem a comparação de indevida, trato de antecipar a óbvia ressalva. O general Mourão chegou ao cargo pelo voto direto, em eleições livres e democráticas. Já o general Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informação, foi escolhido por Ernesto Geisel, numa troca de guarda autoritária totalmente alheia à vontade popular. Com mandato espichado para 6 anos, pois Geisel decidiu que a abertura devia ser lenta e gradual, João Figueiredo foi o último ditador oriundo do Golpe de 1964.
Há que registrar traços comuns em Mourão e Figueiredo: ambos não medem as palavras e gostam de cavalos. Os tempos, porém, são outros. E o país vive em plena democracia. Mas é exatamente por esse motivo que causa espanto a volta dos generais ao poder. No Palácio do Planalto, a mais baixa patente é a de Bolsonaro. Lá estão os generais Augusto Heleno, no Gabinete de Segurança Institucional, Carlos Alberto dos Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e o próprio Hamilton Mourão, no gabinete do vice-presidente. Aos três, vieram se somar os também generais Otávio Rêgo Barros, nomeado porta-voz do governo (o que não acontecia desde o governo Geisel), e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, que vai assessorar seu colega Augusto Heleno no GSI. Eu, paisano que sou eu, fico aqui matutando como deve ser uma reunião do ex-capitão com essa gente de alto coturno. Qual será exatamente a hierarquia reinante? Não custa lembrar que o capitão foi para a reserva de forma compulsória, sob acusação de insubordinação.
Não bastasse a ocupação do Palácio, os militares exibem forte presença na máquina do Executivo. Além de sete ministros, eles já assumiram 41 postos-chaves, segundo levantamento de ‘O Globo’. O secretário de Esporte é general Marco Aurélio Vieira. O responsável pelo investimento em infraestrutura é o general Maynard Santa Rosa. Na Usina de Itaipu, a diretoria-geral coube ao general Joaquim Luna e Silva, que foi ministro da Defesa no governo Temer. Também um general assumiu a presidência da Funai. E por aí vai. Não escapou sequer a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e dá-se como certa a indicação de um militar para a Capes. Para evitar ciúmes das demais forças, Bolsonaro também nomeou oficiais da Marinha e da Aeronáutica. Um exemplo de peso: a presidência do Conselho de Administração da Petrobras será exercida pelo almirante Eduardo Bacelar Leal Ferreira.
Em suma, a presença de militares no governo Bolsonaro só é comparável à registrada durante a ditadura Medici. Mas tanto Augusto Heleno quanto Santos Cruz garantem que o fato é normal e a discriminação parte dos críticos de Bolsonaro, movidos por interesse político. “Não presto atenção nisso. A sociedade quer que você governe de maneira limpa, sem corrupção e entregue o benefício no serviço público. Quem está dirigindo, para ela não interessa”, afirmou o general Santos Cruz em entrevista, publicada no JB de quinta-feira. Ele garante que a sociedade “aceita perfeitamente bem” a volta dos militares.
Peço licença para discordar. No meu tempo de juventude, a distinção entre civis e militares era clara. Ali na rua São Francisco Xavier, na Tijuca, havia (e ainda há) duas instituições de ensino médio: o Colégio Pedro II e o Colégio Militar. Quem quisesse seguir vida de paisano e se dedicar ao Direito, por exemplo, optava pelo Colégio Pedro II. Quem preferisse a carreira militar fazia concurso para o Colégio do outro lado da rua, com seu muro dentado de fortaleza. As moças do Instituto de Educação sonhavam com os rapazes que, no futuro, seriam oficiais. Agora, porém, os militares cobram tratamento diferenciado apenas para efeito da Previdência Social. De resto, consideram-se qualificados para todos os cargos do Executivo. A isonomia é viável? Nós, paisanos, também podemos ocupar comandos militares?