ASSINE
search button

Viva o Pena Branca!

Compartilhar

A ideia inicial era escrever sobre os filhos do presidente Jair Bolsonaro. Com a exoneração do ministro Gustavo Bebianno, uma das peças-chave da campanha eleitoral, ficou claro que o vereador Carlos Bolsonaro assumiu a Presidência da República ao lado do pai. Explica-se assim o fato de ter se aboletado na traseira do Rolls-Royce no dia da posse. Mesmo sem votos, Carluxo, como é chamado pelos amigos, está dando as cartas no Palácio do Planalto. Pelo que se vê, ele manda mais do que o ex-capitão. O que representa um risco institucional. Conta Lauro Jardim, em sua coluna, que o filho 02 quis montar uma estrutura paralela de inteligência no governo, com agentes da PF de sua confiança. Mas teve a ideia brecada pelo general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional.

Ainda vivemos na democracia. Mas estamos nas mãos de Jair Bolsonaro & filhos. Embora pareça exagero, Carluxo, em sua falta de limites, lembra os herdeiros de ditadores célebres da segunda metade do século passado. O terrível Papa Doc, no Haiti, foi substituído ao morrer pelo filho Jean-Claude Duvalier, mais conhecido como Baby Doc. Ditador de 1971 a 1986, ele foi responsável pela tortura e morte de milhares de pessoas. A protegê-lo, dispunha de uma milícia particular, os 'tonton-macoutes' (bichos-papões). Ao ser derrubado, partiu para um exílio dourado na França, com contas de milhões de dólares em bancos suíços. Também aqui na América Latina, outro filhinho de papai famoso foi Ramfis Trujillo, herdeiro de Rafael Trujillo, ditador da República Dominicana de 1930 a 1961. Em 1937, Trujillo ordenou a morte de 20 mil haitianos que entraram em seu país. Nas cidades havia placas com o lema "Deus e Trujillo". Morto a tiros num atentado, Rafael foi sucedido pelo filho Ramfis, que jogou seis autores do atentado aos tubarões numa fazenda da família. Imaginem se Carluxo fosse filho de um ditador!

Mas a semana está apenas começando. É melhor pensar positivo e esquecer a família Bolsonaro. Aproveito o espaço que me resta para abordar um aspecto específico das merecidas homenagens a Ricardo Boechat. Muito se falou sobre seu êxito no rádio e na TV. Nesses veículos, o que tornou Boechat popular foi sua opinião crítica, firme e independente. Elio Gaspari, porém, em artigo na 'Época', preferiu relembrar os tempos do jovem repórter de Niterói que buscava informações exclusivas para a coluna do famoso Ibrahim Sued. Anos antes, Gaspari também trabalhou com o 'Turco'. Para ele, foi ali, apurando notas para Ibrahim, que Boechat se apaixonou pelo jornalismo. E, principalmente, pela reportagem. Boechat, diz Gaspari, foi acima de tudo um brilhante repórter.

O exemplo de Boechat leva a outra questão. Muito se tem falado sobre o fim do jornalismo impresso e o desgaste das mídias tradicionais. No fim de semana, em texto que postou no Facebook, Omar Resende Peres fez análise profunda sobre o tema, com grande repercussão. Não há como discordar que os jornais estão com os dias contados. Mas me arrisco a afirmar que os jornalistas continuarão a ser essenciais. Qualquer que seja a mídia, o trabalho do repórter continuará vital. O que aconteceu mesmo em Brumadinho? Quais os responsáveis pelo incêndio no Ninho do Urubu? Bebianno vai contar tudo que sabe ao ser exonerado por Bolsonaro? Se há perguntas no ar, existe garimpo para o bom repórter.

O maior repórter que conheci foi Octavio Ribeiro, o Pena Branca, apelido que ganhou pela precoce mecha grisalha na testa. Eis alguns de seus feitos. Em 1962, um dos bandidos mais procurados do Rio era José Miranda Rosa, o Mineirinho. Octavio conseguiu entrevista exclusiva com ele no alto da Mangueira, para espanto dos policiais que o caçavam. Mineirinho foi morto com 13 tiros dias depois. Em 11 de novembro de 1984, o jornalista Mário Eugênio de Oliveira foi assassinado ao sair da rádio onde trabalhava. O "Correio Braziliense" contratou Pena Branca para apurar o caso e, em pouco tempo, o grande repórter concluiu que a morte de Mário Eugênio foi encomendada pelo secretário de Segurança do DF, coronel Lauro Rieth. Também em 84, outro furo histórico de Octavio Ribeiro: a primeira entrevista do Cabo Anselmo, traidor da esquerda durante a ditadura militar. Encerro por aqui. E repito: a reportagem é mais forte do que qualquer plataforma.