Mudando de canal

FRANCISCO VICTER ( [email protected] )

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Nos últimos anos, tem sido bem comum encontrar artigos falando sobre como a internet “revolucionou” as comunicações, e sobre como as redes sociais mudaram a maneira como os “humanos interagem”. E naturalmente concordo plenamente com a existência desses fenômenos, negá-los seria como falar que a chuva cai para cima. Muito pelo contrário: por mais que sejam extremamente alardeadas, é cada vez mais claro que as consequências dessas transformações causadas pela internet estão sendo subestimadas pela mídia e ignoradas por uma grande parte da população.

E por que este autor está falando disso agora, de todas as coisas? Simples. Porque o impacto já começou, e muitos, especialmente das gerações mais avançadas, estão sendo atropelados por esse fenômeno.

Sem mais delongas, vamos aos fatos: da minha geração, nascida após 2000, e daquelas que vieram imediatamente antes, é basicamente impossível achar alguém que ligue uma televisão em seu dia-a-dia, espontaneamente. Quanto mais meios um jovem tem, mais ele tende a buscar outro conteúdo para seu lazer. E não é novo para ninguém que o local desse conteúdo é a internet.

Todos nós conhecemos o YouTube, plataforma online em que qualquer um pode criar seu canal, e produzir vídeos de qualquer gênero para audiências de todos os tipos. Esses vídeos são monetizados pela própria plataforma, que paga aos criadores de conteúdo com base nas suas visualizações. Esse é um modelo simples, mas que, por incentivar a livre competição em uma escala em que a televisão nunca seria capaz, garante que grandes talentos se destaquem aos olhos do público e atinjam milhões de seguidores.

E é exatamente a maneira como esses criadores, os youtubers, crescem na plataforma. São indivíduos normalmente carismáticos que avançam em popularidade de maneira orgânica, muitas vezes evoluindo como pessoas ao longo do tempo.

E por que passei tanto tempo caracterizando essas pessoas? Porque, diferente de um apresentador de televisão ou um narrador esportista, o youtuber possui seguidores que estão lá especificamente por sua pessoa, com uma relação de lealdade e confiança totalmente diferente de tudo que já foi visto na mídia tradicional.

E daí que vem o ponto fundamental, que me motivou a escrever este artigo. Afirmo que são os claros sinais de que esse estilo de conteúdo é o futuro e já tem consequências reais. E que lugar como a política para ver isso: quem estiver acompanhando as eleições da Prefeitura da São Paulo neste ano de 2020 pôde perceber que elas foram marcadas por debates esvaziados e uma cobertura com baixíssimo engajamento popular, ao ponto de certos candidatos líderes concluírem que participar dos debates simplesmente “não vale a pena”.

Por outro lado, no YouTube, um par de amigos, ambos com história na plataforma, criaram em 2019 um canal chamado Flow Podcast. Inspirado em um formato norte-americano, Igor e Bruno convidavam pessoas famosas na plataforma para um papo informal, às vezes bebendo e fumando, onde poderiam conversar por horas seguidas pulando entre qualquer tópico.

Em pouco tempo, essas conversas caíram no gosto do público, e o crescimento do canal foi exponencial. Para muitos foi uma surpresa quando convidaram um pequeno candidato à Prefeitura de São Paulo para o bate-papo, e o vídeo, transmitido ao vivo e depois deixado disponível, conseguiu centenas de milhares de visualizações. Tão grande foi o engajamento que outros candidatos convidados logo resolveram aparecer, inclusive os líderes que estavam evitando os debates. Alguns desses vídeos, que em muito se diferenciam de entrevistas formais por terem uma natureza descontraída e tempo livre, conseguiram mais de um milhão de visualizações. Para o eleitor, é a oportunidade de conhecer uma versão menos artificial de seu candidato. E para alguns candidatos, o crescimento nas redes é palpável.

Um fenômeno similar esteve por trás da onda popular que elegeu o presidente da República em 2018. O canal do “Nando Moura”, conservador que na época era apoiador de Bolsonaro, já tinha cerca de dois milhões de inscritos no início do ano de 2018, audiência que tinha sido construída ao longo de três anos anteriores. Nesse período, o movimento que apoiava Bolsonaro e a “direita” em geral eram quase que restritos à internet, com a grande maioria de seus participantes sendo jovens. E foi só quando as eleições se aproximaram e os jovens começaram a trazer para casa essa mensagem que o candidato cresceu exponencialmente, surpreendendo com a escala de seus comícios, e mais tarde ultrapassando as pesquisas. Para quem estava monitorando os números de engajamento na internet, isso não foi nem um pouco surpreendente.

E não é só na política que o impacto dessa nova forma de mídia é visível: ao lado do YouTube, há uma concorrente indireta que tem crescido amplamente no Brasil, a Twitch.

Diferente do YouTube, que apesar de permitir lives tem como foco os vídeos gravados, a Twitch é uma plataforma focada no conteúdo ao vivo, onde dezenas de milhares de pessoas podem se juntar para assistir ao vivo um único streamer, que pode estar jogando algo ou até mesmo só conversando com os seus seguidores no chat. O próprio Flow Podcast é transmitido ao vivo tanto pelo YouTube quanto pela Twitch. Nessa plataforma, todos que assistem podem conversar em um chat comum, e doações normalmente são acompanhadas por mensagens que podem ser lidas pelo streamer. O foco raramente é o jogo, mas a atmosfera que se cria pelo carisma da pessoa.

Naturalmente, também existem momentos de audiência massiva. Nas eleições norte-americanas da última semana, Joe Rogan, um dos inventores do conceito de podcast, reuniu uma audiência de milhões para acompanhar e comentar a apuração eleitoral nos estados, ultrapassando muitos canais de televisão. Já aqui no Brasil, o streamer Gaules, narrando do seu quarto em casa, bateu alguns meses atrás o recorde de 393.000 pessoas ao vivo assistindo à equipe brasileira MIBR em um campeonato do jogo de tiro CS:GO

Mesmo assim, é indubitável que o número de espectadores que a maioria dos streamers e youtubers consegue em seu canal são baixos em relação à televisão. Mas é aí que está o truque: a pulverização da audiência. Quando o conteúdo está descentralizado dessa maneira, é muito mais fácil para um consumidor encontrar algo que seja especificamente do seu gosto, e que por consequência torne seu interesse muito maior.

Para o lamento da televisão, seja no seu entretenimento pessoal, ou na política e no marketing, eventualmente todos irão mudar de canal.

FRANCISCO VICTER, 19 anos, estudante de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da UFRJ.  [email protected]

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