O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Indústria rateia e fecha semestre em queda

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Publicado em 02/08/2022 às 14:28

Alterado em 02/08/2022 às 14:28

Gilberto Menezes Côrtes JB

Após quatro meses seguidos de recuperação (fevereiro, março, abril e maio, que acumularam alta de 1,8%, devolvendo a queda de janeiro, provocada pela paralisação de boa parte da indústria automobilística, setor de maior interrelação com outros setores), a produção industrial rateou em junho, com queda de 0,4% sobre maio (superando a previsão do mercado -0,3%), e fechou o 1º semestre com queda de 2,2% em relação ao mesmo período de 2021. Em 12 meses, a queda é de 2,8%. A produção ainda está 1,5% abaixo do patamar pré-pandemia (fevereiro de 2020) e 18,0% inferior ao recorde de maio de 2011.

Ao contrário de janeiro - quando as montadoras que anteciparam em dezembro a produção de veículos cuja fabricação seria proibida em 2022, por não atender às normas ambientais, deram férias coletivas e pararam a produção -, em junho, mesmo com a escassez de componentes eletrônicos para a indústria em geral, devido a gargalos na China, a produção de veículos automotores, reboques e carrocerias (basicamente caminhões) cresceu 6,1% e esteve, ao lado da expansão de 1,9% na indústria extrativa, entre os nove setores em alta.

Nas quedas, a liderança foi da indústria farmacêutica. O setor formou muitos estoques em abril e maio (quando há o reajuste anual dos medicamentos). Assim, em junho, houve queda de 14,1% na produção frente a maio. Mas à parte o efeito da inflação na redução do poder de compra dos consumidores, a escalada dos juros, iniciada em março de 2021, quando o piso dos juros do país - a taxa Selic - foi elevado pelo Banco Central de 2% para 2,75%, e chegou a 13,25% em junho, está travando a venda a prazo dos bens de maior valor.

A situação deveria ser examinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que se reúne hoje e amanhã para decidir se encerra o ciclo com um aumento de 0,50%, como é consenso do mercado, ou se ainda faz um último ajuste de 0,25 ponto percentual em 21 de setembro, para 14% ao ano. De acordo com o IBGE, no 1º semestre, houve resultados negativos em todas as quatro grandes categorias econômicas, 18 dos 26 ramos, 55 dos 79 grupos e 62,6% dos 805 produtos pesquisados.

Entre as grandes categorias econômicas, o perfil dos resultados do 1º semestre de 2022 mostrou menor dinamismo para bens de consumo duráveis (-11,7%), pressionados, em grande parte, pelas reduções verificadas na fabricação de eletrodomésticos da “linha branca” (-21,7%), da “linha marrom” (-12,6%) e automóveis (-7,0%). Todos são bens afetados pelos hiatos de fornecimento de componentes importados, mas principalmente na capacidade de compensar a insuficiência de renda pelo forte encarecimento do crédito.



Abit quer fim do ciclo da Selic

Mas até os artigos de menor valor estão perdendo espaço no orçamento das famílias para os gastos com alimentação. Por isso, para Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), segmento que registrou queda de 15,3% na fabricação de tecidos no 1º semestre e redução de 9,3% na confecção de artigos do vestuário e acessórios, o Copom deveria encerrar o ciclo de aumentos nos juros nesta reunião. Lembra que “o Brasil antecipou-se em muito aos outros países na estratégia de elevação dos juros para tentar conter a inflação”, e “somente agora o Banco Central norte-americano aumentou as taxas básicas e a União Europeia fez um primeiro movimento nesse sentido, depois de muito tempo”.

Para o presidente da Abit, “a inflação continua criando problemas em todo o planeta, atingindo números superiores a 10% na Espanha, 7% na França, 9% na Inglaterra e Estados Unidos. Mas a principal causa, embora possa ocorrer um excesso de demanda em alguns locais, continua sendo a ruptura nas cadeias de produção, desencadeada pela pandemia e agravada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Trata-se de um problema de oferta, contra o qual os juros não são um remédio de grande eficiência”, sustenta Pimentel.

Por isso ele que, já defendia o fim do ciclo em julho, defende que agora o Copom não mexa mais nos juros, sobretudo quando o país começa a enfrentar taxas declinantes de inflação, “ainda que acima do centro da meta”.

Copom deve mirar indicadores antecedentes

Como a política monetária costuma operar olhando o horizonte futuro - sua influência se dá no mundo desenvolvido de seis a nove meses adiante, nível também considerável razoável no Brasil, que manter o amortecedor inercial da indexação de contratos como uma trava para a baixa mais rápida dos preços - seria importante que o Comitê de Política Monetária do Banco Central não centrasse suas análises nos indicadores pretéritos.

É preciso reconhecer que, numa quadra como a atual, a autoridade monetária tateia no escuro: busca da reeleição a qualquer preço, o governo Bolsonaro rasgou regras de prudência fiscal e aproveitou a escalada da inflação provocada na cadeia usuária de combustíveis onerados pelos impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia, que inflou a arrecadação, para rebaixar até 31 de dezembro impostos (dos “vizinhos”, vale dizer, o ICMS que sustenta gastos dos estados e municípios) e sacar sobre a receita excedente, de modo a jorrar benesses compensatórias de R$ 41,2 bilhões em segmentos expressivos da sociedade, para tentar convencer o eleitor (propenso a Lula) a mudar o voto. Isso está provocando uma queda forte da inflação (artificial) mas efetiva.

Assim, diante desta baixa da fervura inflacionária e diante de todas as projeções de forte desaceleração do PIB neste 2º semestre e um tombo em 2023 (após crescer cerca de 2,1% este ano, a Genial Investimentos prevê expansão de 0,6% no ano que vem, enquanto a medida do mercado aponta 0,43%), não seria o caso de o Copom dar mais atenção aos indicadores antecedentes? Um pouco de cautela pode evitar que o Copom erre a mão e eleve os juros a níveis desnecessários.

Os impactos indiretos de uma escalada dos juros são perniciosos. Além de aumentar o endividamento das famílias (mais de 63 milhões de brasileiros estão com dívidas em atraso). Sem capacidade de endividamento, com os orçamentos comprometidos com os gastos da alimentação (que continuam imunes ao pacto de bondades do governo, as famílias pararam de comprar a prazo (daí a queda acentuada das vendas de bens de maior valor). Os dados do comércio e serviços de junho serão conhecidos dias 10 e 11 de agosto.

Trava nos investimentos

Mas a escalada no piso dos juros, a taxa Selic - de 2% no 1º trimestre de 2021 para 13,25% ou 13,75% - tem um impacto devastador nos investimentos. Os investimentos em infraestrutura pelo setor privado, que foi atraído pelo governo Bolsonaro mediante uma enxurrada de leilões de concessões em estradas, ferrovias, portos e aeroportos, funcionariam como um contraciclo na economia.

Centenas de bilhões seriam investidos, e o então ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas cansou de ser celebrado até quando anunciada leilões dois três meses adiante - mas estão emperrados. Simplesmente porque os cálculos de taxas internas de retorno (TIR) foram atropelados pelos fatos e dobraram em relação aos cronogramas elaborados na ocasião dos leilões. Muitos grupos estão, inclusive, devolvendo concessões. Em estradas mais custosas (topografia acidentada que exige muitas pontes, viadutos, túneis e obras de contenção) sequer apareceram interessados nos últimos leilões, ainda o “martelo” nas mãos de Tarcísio de Freitas.

O fenômeno não é novo. Com todas as distorções descobertas pelas investigações da Lava-Jato, os leilões de concessões do governo Dilma começaram a fazer água quando, a partir do resultado do 2º turno de 2014, o Banco Central começou a elevar os juros e houve forte desvalorização do real em 2015. Qualquer grande projeto de investimento emperra quando as taxas internas de retorno são atropeladas pela realidade de juros mais altos.

O mercado imobiliário é o melhor exemplo de que “booms” de compra de terrenos para novos lançamentos ocorrem quando os juros estão baixos. De 2020 para 2021, houve muita movimentação de novos lançamentos no país. Os que andaram mais devagar na captação de clientes e de financiamentos, agora estão sendo alcançadas pela ressaca da maré de juros altos.

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