O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Caneta BIC faz a maior deflação em 42 anos

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Publicado em 09/08/2022 às 11:32

Alterado em 09/08/2022 às 11:32

Gilberto Menezes Côrtes JB

A caneta BIC do presidente Bolsonaro, ajudada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao reduzir o ICMS de energia elétrica, telecomunicações e combustíveis produziu em julho a maior deflação do IPCA em 42 anos: -0,68%, fazendo a taxa acumulada do ano ficar em 4,77% e a taxa de 12 meses descer dos 11,89% em junho para 10,07%.

Isto foi possível com a queda de 14,51% nos combustíveis, que fez o item Transportes cair 4,51% no mês passado. Em Habitação, a queda de 7,78% na energia elétrica, amplificada pela decisão da Aneel de reduzir o reajuste de energia de 10 distribuidoras do país, fez o item ficar negativo em 1,05% e compensar a alta de 1,30% na Alimentação e Bebidas, que subiu junto com os outros seis grupos de preços pesquisados pelo IBGE. A força da caneta BIC fez a inflação ficar abaixo de 10% em sete das 16 capitais pesquisadas.

Só o item Transporte, com a queda de 15,48% na gasolina (que contribuiu com baixa de 1,04 p.p. no IPCA e de 11,38% no etanol, contribuiu para a redução de 1 ponto percentual no IPCA. Passagens aéreas subiram 8,02%. O item Habitação, ajudou a derrubar a inflação em 0,28 p.p. Os dois neutralizaram o impacto da alta de 1,30% em Alimentos e Bebidas, que acelerou diante dos 0,80% de junho, devido ao forte aumento do leite e derivados.

Mas o governo aproveitou a popularidade das medidas de redução nos preços dos combustíveis para autorizar o reajuste desde 3 de julho, de 4,44% a 8,70% nos preços dos cigarros de um dos maiores fabricantes, que subiram 4,37% em média no levantamento do IBGE e fizeram o item Despesas pessoais aumentar 1,13%, na 2ª maior alta entre os nove grupos do IPCA, que vai reforçar a arrecadação. Também subiram, com desaceleração diante de junho, Vestuário (0,58%) e Saúde e cuidados pessoais (0,49%).

No Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC (que mede as despesas das famílias com renda até 5 salários mínimos - R$ 6.060, o maior contingente dos eleitores) houve queda de 0,60% em julho (após alta de 1,02% em junho) a menor variação desde o começo do cálculo do INPC pelo IBGE, em 1979. No ano, o INPC acumula alta de 4,98% e de 10,12% em 12 meses, abaixo dos 11,92% de junho.

Como no IPCA, que mede as despesas das famílias com renda até 40 SM (R$ 48.480), os produtos alimentícios, que mais pesam nas despesas familiares, aceleraram a alta, de 0,78% em junho para 1,31% em julho, enquanto os não alimentícios foram de 0,57% para -1,21%.



Munição para discurso eleitoral

É evidente que o resultado extraordinário da deflação de julho será usado pelo presidente Bolsonaro na campanha eleitoral no rádio e na TV, que começa na próxima 3ª feira, 16 de agosto. Os dados de junho já serão celebrados hoje, juntamente com o pagamento das primeiras duas parcelas (julho e agosto) do Auxílio Brasil turbinado para R$ 600 para 20,2 milhões de famílias (haverá um pagamento diário, por ordem numérica de inscrição até 19 de agosto), juntamente com duas parcelas do Vale-gás para 5,6 milhões de donas de casa.

Semana que vem começa a distribuição de duas parcelas de R$ 1 mil do vale-caminhoneiro e semana seguinte será a vez dos taxistas das grandes cidades receberem R$ 1 mil mensais em dupla contagem (julho e agosto). Tudo é parte do pacote eleitoral de redução temporária de impostos e concessão de benefícios no valor de R$ 41,2 bilhões a vigorar até 31 de dezembro.

A posse do ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Economia como ministro das Minas e Energia, em 12 de maio, no lugar do almirante Bento Albuquerque, permitiu à área econômica do governo Bolsonaro administrar diretamente alguns dos preços com maior impacto na inflação. Sachsida era o homem da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, encarregado de acompanhar os preços (coletados pelo IBGE, subordinado ao ministério), mas os combustíveis (que têm alto impacto direto e indireto na inflação) e as tarifas de energia elétrica, que têm reajustes anuais escalonados entre as 27 unidades federativas, estavam fora do controle de Guedes.

Sachsida conseguiu emplacar na presidência da Petrobras outro assessor de Guedes, Paes de Andrade, que já promoveu duas baixas da gasolina e uma do diesel, que tiveram impacto fundamental na deflação de julho (a do diesel seré refletida em agosto). Na energia elétrica, em paralelo à baixa do ICMS, a Aneel, a agência reguladora do setor, aprovou as Revisões Tarifárias Extraordinárias de 10 distribuidoras do país, reduzindo as tarifas a partir de 13 de julho, com queda em seis das 10 regiões, sendo de 4,34% no Rio de Janeiro.

Nas áreas investigadas pelo IPCA, as variações foram desde -17,00% em Vitória - onde o ICMS foi reduzido de 25% para 17% e houve retirada da incidência sobre os serviços de transmissão e distribuição - até 0,37% em São Paulo, onde foi aplicado um reajuste de 10,43% nas tarifas de uma das concessionárias pesquisadas, em vigor desde 4 de julho.

Os dilemas do Copom

Diante de baixas artificiais e temporárias de preços e benesses financeiras, que terão impacto na área fiscal e na demanda de parte da população, Banco Central divulgou hoje a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do dia 3 de agosto, quando a taxa Selic foi elevada em meio ponto percentual para 13,75%. A ata pouco acrescentou ao comunicado posterior à reunião. Continua sem precisar se haverá aumento residual em 21 de setembro

O Comitê assinalou que “políticas temporárias de apoio à renda devem trazer estímulo à demanda agregada e que o prolongamento de tais políticas pode elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionam a demanda agregada e pioram a trajetória fiscal. O Comitê reitera que há vários canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação, incluindo seu efeito sobre a atividade, preços de ativos e expectativas de inflação”. Como o ano de 2022 está perdido, o horizonte do Copom para levar a inflação ao centro da meta já mira 2023 e, em grau menor, 2024.

Entretanto, com as projeções de inflação para 2022 e 2023 estão sujeitas a impactos elevados associados às alterações tributárias entre anos-calendário. O Copom optou por dar ênfase à inflação acumulada em 12 meses no 1º trimestre de 2024, que reflete o horizonte relevante, suaviza os efeitos diretos decorrentes das mudanças tributárias, mas incorpora seus impactos secundários sobre as projeções de inflação relevantes para a decisão de política monetária.

“O Comitê notou que a dinâmica inflacionária de curto prazo segue desafiadora, com avanço das medidas de inflação subjacente em ambiente de surpresas na atividade corrente, e que suas projeções seguiram se deteriorando, ainda que o cenário esteja cercado de incerteza e volatilidade acima do usual. Ressaltou-se que a elevação das expectativas e das projeções de médio prazo se concentrou na inflação de preços administrados, em função do caráter temporário de algumas medidas tributárias”.

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