O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Economia não pode ignorar a política

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Publicado em 18/04/2023 às 13:28

Alterado em 18/04/2023 às 13:31

Em meus mais de 50 anos de jornalismo econômico, fui meio que fazendo uma crônica de problemas externos ou exógenos que tumultuam o andar da carruagem da economia. Nem sempre a teoria econômica dá certo exatamente pela ocorrência de fatos inesperados. Estranho quando os economistas, ao fazerem suas análises, seguem sua formação (ortodoxa/monetarista/fiscalista ou heterodoxa/estruturalista) e ignoram os fatos.

O “milagre brasileiro” (1968-73) já estava fazendo água pelo excesso de demanda (as pessoas iam comprar um fusca, mas tinham que esperar na fila porque as montadoras aguardavam peças como maçanetas e a janelinha lateral flexível dos fornecedores, como hoje se aguardam chips da Ásia). Isso pressionava a inflação. Ela era mascarada pelo ministro da Fazenda, Delfim Neto – que perseguia a meta de 12%, revelou inflação oficial de 15%, mas a FGV, que então calculava a inflação, informou no ano seguinte (já no governo Geisel) que a alta fora de 27%. A 1ª crise do petróleo, de setembro de 1973, virou álibi da crise já desenhada. Nas análises só a crise do petróleo tem peso.

Dois anos depois, a geada de julho destruiu os cafezais de São Paulo e Paraná e afetou toda a produção de alimentos básicos (milho, feijão, mandioca) plantados pelas famílias de colonos nas “ruas” do café, em regime de meia ou terça com os fazendeiros donos das terras. A erradicação do café, substituída no Paraná pela soja, em lavouras mecanizadas e, em São Paulo, pela cana de açúcar e a laranja, decretou o fim do “colonato”. Houve forte desequilíbrio na oferta de alimentos básicos e inflação persistente até a 2ª metade dos anos 80, quando a produção mecanizada começou a substituir a produção da lavoura familiar, na enxada.

Houve desemprego em massa no campo (os fazendeiros, para se livrar de suas obrigações, conseguiram em todo o país registrar o “colonato” no Funrural (ou seja, todos passaram a ganhar meio salário-mínimo às custas da “viúva”, gerando um déficit três vezes maior que o previsto pelo ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, que resistia à medida – a Constituição de 1988 determinou que ninguém poderia ganhar menos que um SM, e o rombo do Funrural na Previdência dobrou.

Migrações para as periferias das cidades (o Brasil virou urbano de 1970 para o censo de 1980) e o surgimento dos boias-frias (mão de obra antes assentada nas fazendas que virou errante atrás dos ciclos da colheita da cana, da laranja e do café, no Sul de Minas, agravaram problemas sociais nas grandes cidades. Antes quem produzia e comia no campo passou a pedir alimento (e moradia, água e esgoto, transporte e escolas para os filhos) nas cidades.

O próprio IBGE fez, semana passada, um importante trabalho de memória dos 50 anos do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola no país, mas não toca na questão da geada do café e da mudança da estrutura fundiária e de produção da agricultura brasileira gerada desde então. Seria como hoje os economistas falarem do não cumprimento das metas de inflação (fixadas quase 30 meses antes) sem mencionar os impactos da Covid-19 ou da invasão da Ucrânia pela Rússia e os efeitos das retaliações ocidentais a Moscou sobre os preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos.

O Brasil, assim como os países fora da órbita da Otan, está pagando preços altos de uma guerra que não é no seu quintal. Por isso, é válido o esforço de Lula pela Paz. Um armistício poderia ajudar a baixar os preços em todo o mundo, reduzir o esforço “enxuga gelo” dos bancos centrais, que joga muitas economias na recessão (Reino Unido e Alemanha) ou em forte desaceleração (caso dos Estados Unidos, Brasil, demais europeus, Japão e Coreia do Sul). Abriria caminho à redução mais rápida da taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano.

A surpresa do mercado

Há muito esta coluna aponta fortes sinais de desaceleração dos preços e da velocidade da economia devido ao freio de mão puxado. Com a entrada em cena da supersafra agrícola de grãos de 2022-23, os preços estão desabando no atacado (e a surpresa do mercado com o IPCA de apenas 0,71% em março, quando a mediana do mercado era de 0,78%, o Banco Central previu 0,87% no Relatório Trimestral de Inflação de 30 de março, mostra que ele e o BC precisam olhar mais pelo para-brisa e menos pelo retrovisor). Ou seja, está faltando sintonia com a realidade. A queda do dólar mostra isso.

O IBC-Br, prévia do PIB oficial calculada pelo Banco Central, mostrou ontem queda de – 0,04% em janeiro frente a dezembro e queda de 3,2% frente a julho de 2022. Os fatos levaram a Genial Investimentos a prever “forte desaceleração do PIB em 2023. Tendo crescido 2,8% em 2022, nossa projeção é de crescimento de 0,7% em 2023, com forte crescimento do setor agropecuário (7,0% em 2023) e desaceleração do setor de serviços e queda do setor industrial”. Até o fim do ano passado, a projeção era maior.

A Genial atribuiu a desaceleração parte à “política monetária contracionista [Selic em 13,75% desde 3 de agosto] para reduzir a taxa de inflação, que permanece teimosamente acima do intervalo de metas para a inflação e expectativas em horizontes mais longos acima das metas até 2026, e dos sinais de desaceleração dos investimentos privados, que foi o principal motor do crescimento de 2022, quando atingiu 19,3% do PIB, devido às mudanças institucionais anunciadas pelo governo em 2023”.

A eleição puxa o PIB

Taí uma análise que ignora fatos: o ano eleitoral levou a União e muitos governos estaduais a acelerarem a conclusão de obras para servirem de palanques eleitorais. Passada a onda, o que era feito, a despeito dos juros, agora implica forte desaceleração de ritmo (não a mudança de governo), por isso, Lula quer retomar o Minha Casa, Minha Vida e projetos de recuperação de estradas fora do calendário eleitoral.

Mas, a despeito da desaceleração, com os dados disponíveis, a Genial espera que o PIB tenha crescido 2,5% no 1º trimestre de 2023, frente ao mesmo período do ano anterior, o que corresponde a uma variação positiva de 0,9% frente ao último trimestre de 2022, descontados os efeitos sazonais”.

O Bradesco prevê crescimento maior: 1,2% no trimestre, “impulsionado pelo bom desempenho do setor agropecuário e pela resiliência do consumo das famílias”. O Departamento de Estudos Econômicos lembra que na comparação interanual, o IBC-Br cresceu 3,0%, acima dos 0,8% de dezembro.

Inflação cede no atacado

Mais um índice da FGV, que apura preços no atacado (IPA com 60% de peso) e no varejo (IPC com 30%), além da Construção Civil (INCC com 10%), mostra forte desaceleração causada pela maior oferta de alimentos. O IGP-10 teve queda de 0,58% em abril, contra alta de 0,05% em março. A desaceleração mensal do IPA passou de -0,07% para -0,96%, com queda de 1,93% nos produtos agropecuários. Os preços no varejo aceleraram a 0,57% em abril, com altas de Alimentação, Habitação, Vestuário e Transportes, enquanto o índice de custos na construção foi de 0,12% a 0,22% com alta de mão de obra.

A LCA Consultores projeta “intensificação da deflação do IGP nas demais leituras de abril. A expectativa se ancora, primeiramente, em novas quedas projetadas para o IPA, tanto em preços agropecuários quanto industriais”. A consultoria prevê “arrefecimento dos preços no varejo, ligado a taxas mais modestas de Habitação, Transportes e Comunicação, enquanto a inflação na construção civil deve recuar pela diluição parcial da alta sazonal dos reajustes da mão de obra. Projeta IGP-M de -0,87% em abril (queda de 3,10% no IPA dos produtos agropecuários e de -0,95% nos industriais) e IGP-DI de -0,75%.

PIB chinês cresce 4,5%

E o dragão chinês voltou a cuspir fogo nas fornalhas das siderúrgicas e demais caldeiras industriais (bom para o Brasil que tem na China o maior cliente). Após sucessivos “lockdowns” para enfrentar a Covid, que esfriaram a economia em 2022, o PIB do 1º trimestre indicou reaceleração da atividade econômica em meio à reabertura, com crescimento anual de 4,5%, acima dos 4% previstos.

A economia reagiu aos estímulos fiscais e monetários lançados pelas autoridades chinesas. O Depec Bradesco destaca “o desempenho mais benigno do setor imobiliário, que aparenta já ter atravessado o pior período da queda acumulada no ano passado. O setor externo também apresentou resultado acima do esperado, impulsionado pelo desempenho forte das exportações, a despeito dos sinais de desaceleração da economia global”.

Mas o Bradesco chama a atenção para as incertezas em relação às expectativas da atividade econômica chinesa adiante. Teme-se que parte da recomposição da demanda resulte da combinação entre reabertura e a sazonalidade do ano novo lunar (e as comemorações do Congresso que aprovou o 3º governo de Xi Jinping - olha a política aí de novo, mesmo em país de partido único); 2 - a indústria pode perder fôlego caso enfrente uma eventual desidratação dos estímulos lançados pelas autoridades e exista um caráter de artificialidade na recomposição do setor imobiliário; 3 - o desempenho do setor externo pode recuar, caso se confirme a desaceleração da economia global, sobretudo nos EUA e Área do Euro.

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