O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Efeito Shein; crise e oportunidade

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Publicado em 24/04/2023 às 16:53

Alterado em 24/04/2023 às 16:53

No anagrama chinês, crise também significa oportunidade. Quando os setores calçadistas, têxteis e de confecções (tanto na cadeia de produção quanto nas vendas) estavam aterrorizados com a ameaça de serem varridos do mapa pela invasão das vendas diretas de roupas e calçados, a preços de camelô, pelos sites de comércio chineses Shein, AlliExpress e Shopee, empresários mais antenados viram no episódio a chance de virar o jogo a seu favor.

Nas redes sociais “influencers”, que lucram com suas indicações que geram cliques e atraem anúncios via algoritmo das redes, caíram de pau em cima da intenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de acabar com a farra dos sites que burlavam a isenção de impostos nas remessas (pessoa no Brasil a pessoa no exterior) para compra de bens até US$ 50, forjando vendas diretas de PF a PF, ganhando apoio de deslumbrados consumidores (que não viam a semelhança de seus atos na internet à compra em um camelô). Empresários mais ágeis foram negociar diretamente com a Shein e se deram muito bem.

Foi o caso da Coteminas. O maior conglomerado têxtil do país, fundado pelo ex-vice-presidente dos dois primeiros governos de Lula, José Alencar Gomes da Silva (morto em 2011), é controlado pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. Na reunião da 5ª feira com o ministro Haddad e os representantes da Shein, ele assinou um memorando de entendimentos para liderar os 2 mil fabricantes nacionais que devem entrar no rol dos fornecedores habituais dos chineses, que terão de incluir 80% na produção nacional no leque de produtos vendidos no país, gerando 100 mil empregos diretos.

O resultado foi imediato. Após o prolongado feriado de Tiradentes (21 de abril, 6ª feira), as ações da Coteminas deram um salto de quase 100% de valorização, na reabertura dos negócios na B3, nesta 2ª feira. A Shein se comprometeu a investir US$ 150 milhões nos próximos três anos para que, até 2026, 80% dos produtos vendidos no país sejam “made in Brazil”. Até lá, os chineses vão selecionar parceiros para que se adaptem a seu modelo de produção (vale dizer, a escala gigantesca que visará o mercado brasileiro e a toda a América Latina - onde o México figura como o outro parceiro da Shein).

Na assessoria de algumas edições do Fashion Business, bolsa de negócios de moda que era atrelada ao Fashion Rio, vi que muitas grifes nacionais tinham produtos excelentes, mas lhes faltavam escala para atender às encomendas de grandes varejistas interessados na colocação de mercados na Europa. A abertura dos mercados de fios, têxteis e confecções, após o fim do Acordo de Multifibras, em 1º de janeiro de 2005, mudou radicalmente o mercado brasileiro de moda. Se o caro leitor não tem memória, pergunte à sua mulher, namorada ou filha, quantas grifes elas viram desaparecer nos shoppings e no comércio do seu bairro desde então, enquanto cresciam as cadeias estrangeiras no Brasil.

Nos tempos recentes da abertura comercial do país ampliada no governo Collor, surgiram a holandesa C&A e a americana JC Penney comprou o controle da tradicional loja gaúcha Renner, de roupas e tecidos, em 1998. Mas vendeu o controle, justamente em 2005, por temer enfrentar a livre concorrência dos chineses, indianos, turcos e asiáticos. A Renner, porém, resistiu sob controle nacional à invasão da espanhola Zara e outras cadeias estrangeiras que compram artigos dos mais variados (e baratos) polos têxteis e de calçados do mundo e se transformou no maior grupo de vestuário do país, seguido pelo grupo Guararapes/Lojas Riachuelo (RN), vindo a C&A em 3º.

Paralelamente, no mercado da moda, houve uma sucessão de fusões e incorporações que enfeixaram o controle de algumas marcas famosas em mãos de três a quatro grupos. O grupo Soma, que comprou recentemente a Hering, figura em 4º lugar no setor de vestuário, à frente de varejistas tradicionais como as lojas Marisa e a Arezzo, tem marcas como Animale, Farm, Foxton e Maria Filó. Outro conglomerado da moda é o Inbrands, dona das marcas Ellus. Richards, Salinas e VR.

Verticalização do mercado

Sem restrições à livre e fraudulenta movimentação da Shein e Shopee & cia, o mercado de calçados, têxteis e de confecções brasileiros poderia ser arrasado. O que seria um tremendo contrassenso. Dono de um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, condição que lhe deu a liderança nas exportações de carne (e na venda de couro), o Brasil poderia perder excelente oportunidade de verticalizar o aproveitamento de couros em acessórios na moda, gerando emprego e renda (até escamas de peixe tilápia podem virar acessórios)..

O mesmo ocorre na produção agrícola. Como maior produtor e exportador de soja do mundo, o Brasil tem vastas áreas do território ocupadas por lavouras de milho e algodão, que se revezam, quase que imediatamente, no sistema de plantio direto, nas terras antes ocupadas pela soja. Graças à produção de Mato Grosso, Goiás e o MaToPiBa (sul dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia), o Brasil tornou-se o 2º exportador mundial de algodão.

O beneficiamento das fibras no Brasil, transformadas em tecidos para a confecção de roupas ou tênis, na mescla de fibras naturais com sintéticas e uso da nanotecnologia, pode dar ao Brasil, que já é um forte mercado consumidor, por ter a 6ª população mundial (o Paquistão nos superou), uma escala formidável, capaz de atender mercados nos vizinhos da América do Sul e Caribe e até na África tropical. É tudo questão de escala e adaptação das estruturas das fábricas e das confecções a um aumento exponencial de encomendas. Certamente isto vai afetar o posicionamento e as margens das empresas de varejo concentradas na baixa renda como Marisa, C&A e Renner.

Saindo de moda para a moeda

Para não pensarem que a coluna passou a se chamar “O Outro Lado da Moda”, vamos falar de finanças. O mercado aguarda ansioso o início da tramitação do Arcabouço fiscal na Câmara e no Senado, bem como da futura Reforma Tributária.

Os dois movimentos podem ser afetados pela instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (com representantes das duas casas) para examinar os atos golpistas de 8 de janeiro, com a invasão das sedes dos três Poderes em Brasília. As hordas bolsonaristas, então dispostas a dar um golpe de Estado, facilitado pela omissão das forças de segurança do governo do DF e de áreas vinculadas à segurança do governo, notadamente o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), agora querem barulho na CPMI do Congresso.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad já anunciou que pretende cortar R$ 150 bilhões (25%) das renúncias fiscais, avaliadas em R$ 600 bilhões, envolvendo isenções, anistias, reduções, deduções, abatimentos e suspensão do pagamento de impostos federais, em especial, o imposto de renda.

Haddad afirmou que divulgará os nomes das empresas beneficiadas com estas renúncias. Ele manterá importantes renúncias fiscais, como o Simples e as desonerações da folha de pagamentos, criadas nos governos petistas. Trata-se de uma direção correta. Mas o grande desafio será derrotar os fortes lobbies no Congresso que impedem sua extinção. No governo passado foi aprovado uma PEC que propunha, entre outras matérias, a redução pela metade destes benefícios fiscais e que nunca saiu do papel.

A recomposição da receita fiscal é relevante para o sucesso do arcabouço fiscal que prevê o equilíbrio das contas públicas a partir de 2024. E, em coerência com o processo de flexibilização dos gastos, em conformidade com o aumento esperado das receitas (o que seria natural numa economia em crescimento), o Ministro da Fazenda também se mostrou favorável à adoção de uma meta de inflação contínua no lugar das atuais metas anuais fixas.

Como presidente do Conselho Monetário Nacional, do qual fazem parte o ministério do Planejamento e Gestão, comandado por Simone Tebet, e o Banco Central, sob a presidência de Roberto Campos Neto, Hadad pode prometer flexibilizações. Ele se queixou, justamente, diante das primeiras críticas a não responsabilização do Executivo em eventuais estouros das metas fiscais, que o a prática não é comum na maioria dos países. E aqui mesmo, nosso Banco Central, quando não consegue cumprir o teto das metas de inflação, igualmente não sofre qualquer sanção.

O BC de RCN estourou as metas de 2021 e 2022. Na minha visão, porque fatos posteriores (Covid e consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia) tornaram as metas fixadas pelo CMN, então presidido pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, e já com participação de Campos Neto, absolutamente inexequíveis.

Mas o BC, que não é punido pelo estouro da meta, ao perseguir uma quimera, acaba punindo toda a sociedade com juros elevadíssimos que só derrubam a produção, o consumo e o emprego (e concentram a renda dos mais ricos, que aplicam como rentistas em títulos do Tesouro Nacional), sem qualquer ganho para a maioria da coletividade.

Assim, Roberto Campos Neto segue fazendo palestras defendendo o cumprimento de metas de inflação irreais. Pouco desconto dá ao arcabouço fiscal para aliviar o rigor da política monetária. Me lembra muito os técnicos de futebol que, após os jogos - ante amplo painel de anunciantes, e com quase total ausência de jornalistas das grandes mídias para fazer perguntas críticas ou para estabelecer o contraditório - ficam descrevendo para funcionários dos sites do próprio clube ou jornalistas amigos um cenário que não corresponde aos fatos. Felizmente, a paciência dos torcedores já detonou alguns. Até quando a paciência dos agentes políticos e econômicos vai se deixar levar?

Indicadores na mesa

Depois da queda de 0,2% na Produção Industrial em fevereiro, com redução acumulada de 0,6% nos últimos três meses e -2,4% em 12 meses, na semana passada, o IBGE divulga esta semana dados do Comércio Varejista e dos Serviços. Amanhã, saem os dados do Varejo restrito (a LCA espera queda de 0,2% frente a janeiro e a Genial Investimentos uma retração de 0,5%, após forte recuperação de janeiro) e do Varejo ampliado, que inclui vendas de carros, motos, autopeças, materiais de construção e as vendas do atacarejo. A LCA projeta queda de 0,10% frente a janeiro e a Genial é otimista: +1,2%.

O otimismo da Genial se estende à PMS, que o IBGE divulga na 5ª feira, 27, com previsão para crescimento de 0,4% no volume mensal de vendas, após forte queda (3,1%) em janeiro. A semana terá ainda dados do IPCA-15 na 4ª feira, fornecendo elementos para o Comitê de Política Monetária do Banco Central, que se reúne, após o feriado de 1º de maio, se convencer de que o torniquete monetário está asfixiando a economia. Mesmo assim, não se espera alteração da taxa Selic (13,75% ao ano) na decisão do dia 2.

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