O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

IPCA desce a 4%, mas Selic não muda

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Publicado em 27/04/2023 às 15:08

Alterado em 27/04/2023 às 15:08

Os debates sobre inflação, juros e arcabouço fiscal no Senado mostraram que, apesar de todas as evidências apontarem forte desaceleração da economia (e da inflação, movimento este ajudado pela supersafra agrícola que evita um tombo do PIB neste 1º trimestre, expresso nos demais indicadores), não há qualquer chance de o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) acenar com baixa da Selic (em 13,75% ao ano) ainda neste semestre, no comunicado da reunião de 2 e 3 de maio, que deve manter a Selic estável.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, argumenta que os dados do BC mostram resistências em núcleos importantes de preços de serviços. Ou seja, a injeção de sangue da safra agrícola, derruba preços de grãos (soja, milho, arroz e feijão) e, por tabela, as de carnes, aves e suínos, cevados por ração à base de milho e soja, além de frear a alta do leite e laticínios, não foi anulou o ímpeto altista em serviços e produtos monitorados que retomam parte dos impostos cortados eleitoralmente em 2022.

O IPCA-15 do mês de abril variou 0,57%, abaixo das expectativas de variação de 0,61%. Em 12 meses, o IPCA-15 desacelerou de 5,36% para 4,16%, contra expectativas de 4,20%. É o menor número desde outubro de 2020. A LCA Consultores está prevendo que o IPCA cheio de abril, a ser conhecido dia 12 de maio, ficará, no máximo, em 0,48%, sendo mais provável uma taxa de 0,37%. Nos dois casos será mantida (apesar da recomposição de preços monitorados) a desaceleração das taxas mensais (0,84% em fevereiro, 0,71% em março)



IPCA abaixo de 4% em 12 meses

No acumulado de 12 meses a queda será emblemática, se confirmada a previsão de 0,48% ou a última revisão de 0,37% (detalhe: nos últimos meses o comportamento tem sido sempre inferior às previsões do mercado). Como a inflação de abril de 2022 foi muito alta (1,06%), no 1º caso (IPCA de 0,48%), a taxa em 12 meses cairia dos 4,65% de março para 4,05%. No 2º caso, a 3,93%.

Se o Copom mantiver inalterada a taxa Selic e não fizer qualquer aceno de baixa a curto prazo (as próximas reuniões são em 20 e 21 de junho; 1 e 2 de agosto; e 19 e 20 de setembro – justamente o período em que houve deflação pelos cortes de impostos de combustíveis, energia e comunicações), haverá forte aumento dos juros reais, ou seja, a taxa Selic, descontada a inflação (IPCA) aumentará mesmo se continuar estável.



Juros reais passarão de 9%

No debate realizado no Senado, nesta manhã, o presidente da Fiesp, Josué Gomes, afirmou que a taxa de juros em 13,75% empobrece o país e mantém o crescimento estagnado. "Estamos há tempo demais com o crescimento estagnado. A política monetária voltou a estar em terreno contracionista em março de 2021. Hoje, descontada a inflação, a Selic apresenta taxa real de 8%. Não há negócio capaz de fazer frente a tamanho custo de capital", afirmou.

Sinto dizer que com o IPCA de 0,48% em abril e a Selic em 13,75%, o juro real iria subir dos atuais 8,7% (descontando o IPCA de 4,65%) para 9,32%. E, no caso de o IPCA descer a 0,37%, como previu ontem a LCA, o piso do juro real no Brasil subiria a 9,45%.

Apesar das evidências, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, presente ao encontro, teve o desplante de dizer: “o que importa para a economia não é o nível da taxa básica de juros (Selic), mas as condições financeiras”, acrescentando que o mercado de capitais é muito importante para que grandes empresas se financiem e o classificou como "muito relevante e democratizante".

Os milhões de brasileiros com nome sujo no Serasa/SPC e as centenas de milhares de pequenos e microempresários sem acesso ao mercado de capitais e dependente do caro crédito bancário (acompanhado pelo BC) discordam totalmente na visão do presidente do Banco Central, que insistiu na tecla de que há setores da economia (a área de serviços), onde a inflação é renitente.



As pressões localizadas

No mercado financeiro há quem comungue da cautela de Campos Neto. Para a Genial Investimentos, “a composição do índice (IPCA-15 de 0,57% em abril) veio pior que o esperado e reverteu o bom comportamento do IPCA do mês de março (0,71%). A Genial apontou que “a média dos núcleos acelerou de 0,42% em março para 0,44% em abril, a difusão aumentou de 61,3% para 63,2%, a inflação dos serviços saiu de 0,29% em março para 0,53% em abril e a dos serviços subjacentes aceleraram de 0,32% para 0,51%”.

A LCA Consultores está mais otimista. Ela prevê que o IPCA perderá força entre março e abril, pelo alívio esperado via diluição de boa parte das pressões de impostos federais de alguns combustíveis no Grupo Transportes, pela descompressão em Habitação, em boa medida por perda de tração em energia elétrica residencial, como também pelo reajuste do Combo de telefonia, internet e tv por assinatura ter ficado para trás em Comunicação.

Mas, sem sentido contrário, previu aceleração para o grupo Saúde e cuidados pessoais, na esteira da alta sazonal de produtos farmacêuticos em meses de abril - exceção feita aos efeitos da pandemia em diversos preços em 2020. Os preços monitorados (em fase de recomposição de impostos e preços) devem subir 0,79%.

A Consultoria manteve sua previsão de alta de 6,0% para o IPCA de 2023, acima, portanto, do teto da meta (meta de 3,25% + tolerância de 1,50% = 4,75%). Vejam as previsões da LCA.

 

A difícil batalha fiscal

O esforço fiscal não depende apenas da vontade política do governo Lula para recuperar renúncias fiscais e tapar furos da arrecadação (como os sites de apostas que proliferam no país, corrompendo a lisura dos esportes, mas sem pagar impostos) e as importações fraudulentas comandadas pelas chinesas Shopee e AliExpress e a Shein, de Cingapura.

Há batalhas também na Justiça, como a que envolve o voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma consulta à OCDE como é tratado no grupo os eventuais empates em disputas com contribuintes (FJ e PF).

A diretora jurídica da OCDE respondeu não existir o voto de desempate a favor do contribuinte por parte de nomeados pelo setor privado. Simplesmente, porque configura latente conflito de interesses: amanhã o conselheiro deixa o Carf e pode vir a atuar no setor ou na empresa beneficiada por seu voto.

Outro caso é a batalha nos tribunais superiores. Ontem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, autorizar a cobrança de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS, concedidos pelos estados. A decisão atende os interesses do governo pois permitirá uma arrecadação de R$ 90 bilhões para a União.

Porém a decisão não teve efeito imediato: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o profundamente evangélico André Mendonça, nomeado por Bolsonaro, determinou a suspensão do julgamento a pedido de uma associação do agronegócio. A liminar de Mendonça poderá cair quando submetida ao referendo do plenário virtual entre os dias 05 e 12 de maio. Mas até lá, correrão duas semanas, pelo menos.

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