Em meio a CPI e atritos com o agro, Governo convida MST ao ‘conselhão’ econômico de Lula

GABRIEL MANSUR ( [email protected] )

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, neste sábado (29), a inclusão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o chamado Conselhão. A informação foi confirmada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em suas redes sociais.

“O presidente Lula convidou o MST para o Conselhão e o convite foi aceito. O trabalho na agricultura familiar vai contribuir com políticas para a produção de alimentos saudáveis no nosso país”, escreveu.

A iniciativa acontece após a leitura do requerimento de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades do movimento. O inquérito foi instalado em meio às ocupações do MST nas últimas semanas e à crescente pressão da bancada ruralista pela instalação da comissão. Além disso, o governo também vem enfrentando críticas do agronegócio por sua proximidade com o MST.

Agora, o governo atua para que os blocos partidários não façam as indicações dos membros para compor o colegiado, obstruindo assim a sua atuação. O responsável pela interlocução do governo com o Congresso Nacional criticou a instalação da CPI na Câmara dos Deputados.

"Aproveito para ressaltar que não existe nenhum fato determinado, como exige a Constituição, para a criação de eventual CPI sobre o MST", completou.

Horas antes, Padilha e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, participaram de um evento do MST em São Paulo. Teixeira aproveitou a oportunidade para rebater a fala de outro ministro, Carlos Fávaro (Agricultura), que havia comparado as invasões de terra promovidas pelo movimento aos atos golpistas de 8 de janeiro.

"Não vejo nenhuma relação das ocupações do MST com 8 de janeiro; 8 de janeiro foi um ataque à democracia, uma destruição do patrimônio público, não há correlação entre ambas", disse.

O requerimento para a criação da CPI do MST foi lido na quarta-feira (26) pelo presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL). A leitura significa que a comissão foi criada, mas não necessariamente suas atividades terão início. Isso acontecerá apenas quando os blocos partidários indicarem os membros para compor o colegiado e, na sequência, pode ocorrer a primeira sessão da comissão.

A comissão terá 27 membros titulares e 27 suplentes. Segundo cálculos seguindo a proporcionalidade partidária, dos 27 titulares, 9 serão do bloco que reúne PP, União Brasil, PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota; 8 do bloco MDB, PSD, Podemos, PSC e Republicanos; 5 para o PL; 4 para a federação PT-PV-PC do B e 1 para a federação PSOL-Rede.

 

O teatro da oposição

A oposição avalia que a CPI do MST tem mais potencial para o Executivo do que qualquer outra, como a dos Atos Golpistas. A criação das comissões se dá num momento em que o governo ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso e tem pressa para aprovar projetos considerados prioritários, caso do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

Diferentemente de como ocorrerá na CPI do 8 de janeiro, em que nem o PT de Lula nem o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro ficarão com cargos de comando, a do MST se encaminha para ter dois deputados da oposição na relatoria e presidência. Um dos mais cotados para assumir a relatoria é o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), enquanto a presidência ficaria com o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS).

O deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo, que a comissão do MST poderá dar mais dor de cabeça ao Executivo pela proximidade da entidade com Lula - o movimento é um aliado estratégico do petista.

"A do 8 de janeiro vai ser muito midiática, mas com pouco resultado nem a favor nem contra o governo, na minha avaliação. Agora a do MST vai trazer problemas sérios. O MST é muito entrelaçado ao governo e [a CPI] pode expor bem o governo", diz.

Outro parlamentar da oposição, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) afirma que "politicamente e juridicamente é mais fácil atacar o governo" na CPI do MST.

"Por já haver decisões judiciais contra invasores, fica muito mais fácil para a CPI do MST quebrar sigilo, fazer busca e apreensão e, eventualmente, até pedir a prisão dessas pessoas do que na CPI do dia 8, porque em relação a omissão do governo federal irá começar do zero. A do MST já começa com decisão judicial publicada", concluiu.

Lira deverá exercer influência na CPI do MST. O presidente da Casa pediu a Salles que ele atue com parcimônia e equilíbrio caso seja escolhido como relator. O pedido tem como base a relação tensa que o deputado teve com movimentos do campo nos últimos anos. A possibilidade de Salles ser o relator tem sido criticada por integrantes da base do governo.

 

Cortina de fumaça

Integrante da Direção Nacional do movimento, João Pedro Stedile avalia que a CPI foi instalada apenas para "desviar o foco de ilegalidades cometidas pelo agro. Stedile sugeriu investigações sobre as atividades de latifundiários e do agronegócio.

"O que deveria ter é uma CPI para investigar quem desmatou, quem invade terra indígena, quem tem invasão em área de quilombola, quem usa agrotóxico", pontuou.

Também integrante da comitiva que viajou com o presidente Lula à China neste mês, ele destacou que, durante as primeiras gestões petistas na Presidência da República, parte dos parlamentares de direita e de seus apoiadores sempre fez insinuações de que o MST vivia de dinheiro público.

Entretanto, lembrou que o movimento saiu fortalecido após mais de seis anos sob os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Para ele, a CPI foi criada para tentar desestabilizar o governo de Lula.

"Eles querem enquadrar o governo. Muito mais, do ponto de vista da luta política, [a CPI é] contra o governo do que contra nós. É como dizer ao governo: 'não avance na reforma agrária, não apresente plano de reforma agrária, não ajude o MST'", complementou.

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