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Quem serão os próximos heróis?

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As marcantes paisagens do Rio de Janeiro inspiram sentimentos diversos. O Cristo, o Pão de Açúcar e a praia remetem ao deslumbramento; a quantidade infindável de favelas, de sul a norte e de leste a oeste, causam indignação. São concentrações de miseráveis sem oportunidades, sem esgoto, água potável, escolas, creches, postos de saúde e áreas de lazer. A tudo isso juntou-se um outro elemento urbano: a presença ostensiva de militares, especialmente em áreas pobres. E isso, ao carioca, traz a sensação de monotonia.

Há anos, moradores, um dia sim e o outro também, cruzam com blindados e colunas de jipes e caminhões com soldados muito bem armados. E já não há espanto ou curiosidade. Operações de cerco, em especial, ocorrem com a mais absoluta frequência há tempos. E seus efeitos não são sentidos ou percebidos. 

Um exemplo: a ocupação do Complexo da Maré durou mais de 12 meses. Consumiu meio bilhão de reais. E seus resultados práticos estão aí à frente de todos.  Mas invisíveis. 

O local continua como um dos mais violentos da cidade. E nem de um relatório superficial sobre a quantidade de armas e drogas apreendidas e criminosos presos se tem a mais vaga informação. 

É um lado da lei do silêncio que funciona mal. Mas, por enquanto, há outro e que opera bem: a resistência do comandante Walter Braga de municiar jornais, rádios e emissoras de televisão com declarações  belicosas e imagens de ações violentas que saciem a sede de sangue dos poderosos. 

Diz o general interventor que o Rio pode servir de laboratório para o Brasil. Indiretamente acena com outras intervenções. Há estados bem mais violentos, mas a escolha do RJ foi um laboratório político, e isto parece claro, para o estrategistas do Planalto. O Rio repercute e, mesmo que fugaz, uma sensação de maior segurança, pode resultar em alguns pontos positivos para o mais impopular governo da história. E, talvez, para ambições maiores.

Por enquanto, nada. A mais recente pesquisa (CNT/MDA) mostra a popularidade presidencial do tamanho do presidente. Retrato numérico do nanismo. 

Mas todos apostam na intervenção como se fosse uma cama elástica, suficiente para levar às alturas seus idealizadores.

Está nos jornais que o ministro Moreira Franco já cogita sua candidatura ao Senado. Acredita que um suposto sucesso das baionetas lhe trará uma megasena eleitoral e urnas recheadas de votos. É uma aposta  com poucas possibilidades de acerto. Dará errado se o eleitor fizer um exercício de memória. E as linhas que se seguem são um auxílio neste sentido. 

Moreira governou o Rio e assumiu com uma promessa risível, mas na qual muitos acreditaram: acabar com o violência em seis meses. Um engodo. O crime não foi contido, Ao contrário, ganhou força. 

Foi também na gestão moreirista que o mais audacioso programa de educação do Estado viu-sei impiedosamente abandonado. Os Cieps de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, uma chance de se derrotar a marginalidade na disputa pelos jovens, perdeu sua função. O programa pedagógico e de inclusão social que esta escola representava foi calcinado. 

A Moreira, sucederam outros governadores, como Marcello Alencar, Garotinho e Rosinha, Sérgio Cabral e Pezão. No plano municipal, pela prefeitura passaram Cesar Maia, Eduardo Paes e agora o anódino Marcelo Crivella. Nenhum, absolutamente nenhum, fez o mais simples do movimento para a recuperação do projeto educacional. 

Se nada fizeram pela educação, pela segurança, o desastre produzido por eles não foi em escala menor. Não custa lembrar, que sob o tacão de Marcello Alencar, o Rio de Janeiro criou um dos instrumentos mais odiosos e sanguinários na área de repressão à delinquência: a chamada gratificação faroeste. Policiais fermentavam seu numerário mensal por produtividade. E entre os índices contabilizados para os ganhos estava o confronto. 

Foram centenas de autos de resistência contra pobres e negros favelados. Muitas dos cadáveres com tiros pelas costas ou à queima-roupa. Dezenas destas vítimas sequer portavam antecedentes criminais — apenas em favor da verdade: a gratificação faroeste foi revogada no governo Garotinho. Talvez a única coisa  realmente efetiva que tenha realizado na área de segurança em sua gestão. 

A solução de Marcello Alencar foi efetivada com a Secretaria de Segurança sendo ocupada por um general e a chefia de polícia (inacreditável) por um delegado ligado à forças de esquerda. Ou seja: a estupidez não tem matiz ideológico. Ela é democrática para estúpidos de qualquer coloração partidária. 

Anos depois, uma nova fórmula da alquimia contra o banditismo começou a ferver no caldeirão do Palácio Guanabara, então ocupado pelo presidiário Sérgio Cabral. Deste abracadabra surgiram as Unidades de Polícia Pacificadora. Falácia. Muita polícia, e mal treinada, nas favelas, vivendo em galpões metálicos insalubres. E mais uma vez nenhuma escola, nem um posto de saúde, creche nem pensar. Esgoto e água de qualidade, uma quimera. E tudo sob os aplausos de sabujos formadores de opinião. 

Cenas de hasteamento da bandeira nacional em morros, como se fossem a tomada de Monte Castelo ou de Iwo Jima, aplausos para o secretário de segurança em casas de show, capas de jornais com fotos enormes de policiais matadores glorificados  marcaram o tempo recente do cotidiano do Rio. 

A vida era assim. E assim só poderia se deteriorar.

Um caso emblemático para ilustrar: um detetive conhecido pelo apelido de Trovão certo dia, 24 horas após abater alguns “inimigos” numa comunidade da Zona Norte, teve um pôster seu estampado na capa de jornal. Estava numa das mais luxuosas charutarias da cidade. Na imagem, baforadas de um legítimo cubano de muitos e muitos reais. Sequer ocorreu ao repórter ou ao seu editor perguntar: o que  você recebe por mês dá para custear o hábito de charutos caros? Pois bem, meses depois o tal Trovão era recolhido aos  costumes por diversas acusações, uma dela ao ser pilhado em uma gravação em clandestina negociação de armamento. 

Estes eram os nossos heróis. Quais serão os próximos?

* Jornalista