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Uma saída aos temores do homem

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O físico Richard Feynman pergunta se, na circunstância de todo o conhecimento humano desaparecer e aos homens restar apenas uma frase para transmitir às gerações seguintes, que frase poderia conter o maior número de informações, usando o mínimo de caracteres? Sua resposta: “Todas as coisas são feitas de átomos”. 

O atomismo nos propõe abrir os olhos para a riqueza e beleza do mundo: sua teoria afirma a vida em sua plenitude e em sua vitoriosa força. A partir da visão cosmológica, o atomismo desemboca em uma singular teoria ética, levando o homem a superar o que lhe tira o sono. Seu estudo da Física não se limita ao estudo dos fenômenos celestes, dado que a compreensão da natureza é um imperativo ao homem, porque só compreendendo o funcionamento do cosmos e, por conseguinte, a composição de todas as coisas, ele pode se libertar do que lhe atormenta e angustia, e, assim, obter a paz de espírito, a calma e a convicção firme.

Mais do que as dores físicas que podem afetar o homem, existem obstáculos ainda maiores: os fantasmas, o medo da morte, todas as superstições que lhe ocupam o coração. Como diz Deleuze, a humanidade vive aterrorizada, mais do que dolorida. Os homens vivem em uma espécie de delírio, sem colocar limites nos seus terrores e, por isso, é preciso estudar o atomismo para se aprender a desprezar o que nos consome e nos destrói e não voltar mais atrás nessas tolices. 

A ignorância em que o homem vive mergulhado é a causa dos vãos temores que lhe sufocam e angustiam. O homem é como uma criança que de noite se apavora por tudo, mas, diferentemente da criança que se liberta dos medos com a aurora, a saída do homem dessa condição requer o tenaz conhecimento do cosmos. Estudar a natureza proporciona ao homem uma segurança incomparavelmente forte em relação ao resto da humanidade, reduzindo a nada suas vagas ilusões, livrando a alma humana das paixões que a ameaçam e a obscurecem, lhe tirando da pior das servidões. 

O medo da morte e dos deuses estão na origem mais violenta das emoções que devastam o homem e o torna incapaz de desfrutar a felicidade. O primeiro leva o homem à ilusão de sua infinita capacidade em obter prazer e o segundo leva o homem à ilusão da duração infinita da alma. Lucrécio se empenha em mostrar que a alma morre com o corpo, não necessitando o homem temer a vida após a morte ou se torturar com o medo dos deuses. Resume bem Deleuze esta tormenta: a inquietação da alma é feita do medo de morrer quando não estamos ainda mortos e do medo de não estarmos ainda mortos quando já o estivermos. 

O medo da morte é tão obsedante que a própria vida se torna insuportável: graves são as consequências que esses medos produziram ao longo de toda história, dado que possuídos por um terror sem razão, os homens duplicam as suas riquezas com avidez, acumulando assassinatos sobre assassinatos; a inveja os consome: morrem por um status e por um nome. A excessiva riqueza, as ínumeras guerras, as convenções do Direito, as invenções da indústria, o luxo, são os acontecimentos que provocam a infelicidade e não podem ser separados dos mitos que os tornam possíveis. As honras e as riquezas são meios de aturdir o homem, fazendo-o esquecer daquilo que o inquieta e assim o rico e o honrado acreditam estar mais em segurança que o homem comum. 

É preciso não envenenar a felicidade com o medo, não perverter o sistema da vida, já que o grito da natureza é claro e fácil de ser compreendido: um corpo isento de dor, uma alma livre de inquietudes. Para Epicuro conhecer a physis não é apenas desenvolver uma teoria no domínio da ciência, mas o único caminho para nos purgarmos das ilusões da existência. Isto é, a compreensão do cosmos é a compreensão da própria ética; a compreensão da natureza, o único caminho para a felicidade. Só assim se pode distinguir o que é da ordem da natureza e o que é da ordem do mito; o que é a da ordem da vida e o que é da ordem das suas sombras.

* Professora de Filosofia da Faculdade São Bento-RJ e Universidade Cândido Mendes