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Museu sob nova direção

Mario Chagas enfatiza ações em torno dos frequentadores na gestão recém-iniciada

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De hoje a domingo, acontece a 16ª Semana Nacional de Museus, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que prevê a realização de três mil atividades nas 1.130 instituições do Brasil. O Museu da República se integra ao calendário com novo diretor. Recém-empossado e aprovado por concurso, o museólogo e poeta Mario Chagas, carioca de 61 anos, especialista em Museografia e técnico em assuntos culturais, substitui Magaly Cabral, que pediu exoneração em julho e deixou o cargo em março, Chagas também está à frente do Museu do Palácio Rio Negro, em Petrópolis.

A nova gestão, que se estende até 2021, promete uma sensível mudança na rotina e na programação do Museu da República e de seus jardins, que formam um dos principais equipamentos culturais da cidade. No parque de 32 mil metros quadrados, famílias, idosos e jovens – a maioria, residente nos bairro e nas regiões próximas - nutrem uma relação única de pertencimento, seja pela área verde ou pelas atrações culturais oferecidas no cinema, na Galeria do Lago, de arte contemporânea, sem se esquecerem do patrimônio do Palácio do Catete, guardião da história republicana, que foi sede de 1897 a 1960 do Poder Executivo. Para se ter uma ideia, só nos finais de semana, 4 mil pessoas visitam o lugar. 

Nesta nova gestão, Chagas pretende conjugar a tudo isso a implantação do primeiro Centro de Museologia Social do Brasil, uma das principais ações de sua agenda, que prevê ainda debates, exposições e seminários sobre os 30 anos da Constituição Cidadã (1998-2018), entre outros projetos. Pouco conhecida ainda, a prática da Museologia Social se vincula aos direitos humanos e à cidadania , em sintonia com os movimentos sociais. A expressão surgiu pela primeira vez em 1993, em Portugal.

“De lá para cá, nos apropriamos deste pensamento no Brasil e temos aqui características peculiares. É que no país temos terreno fértil para implantar práticas concretas e experiências efetivas que vêm chamando a atenção até fora do país”, explica o diretor, que é referência no assunto aqui e no exterior. Participou da criação do Museu da Maré, do Museu Vivo de São Bento, em Duque de Caxias, e do Museu de Favela (que abrange Pavão-Pavãozinho e Cantagalo), e é presidente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (Minom), organização afiliada ao Conselho Internacional de Museus.

‘É permitido pisar na grama’ Entender o museu vinculado a direitos humanos e cidadania pode começar por pequenas mudanças. Como pisar na grama, o que Mario Chagas queria que acontecesse, mesmo antes de tomar posse. Hoje, ele diz se sentir prazerosamente um “fiscal do jardim”. Os visitantes estão autorizados a usufruir da área verde 100%. “Queria muito ver isso acontecendo, a utilização da grama é de uma beleza extraordinária!”, comemora.

Habituado a caminhadas pelas aleias, o diretor encontra por ali os organizadores de uma das oito rodas de seresta, que são realizadas à tarde e à noite, de terça a domingo. Elas foram se formando ao longo dos últimos 25 anos, desde que o mineiro de Manhumirim Rivaldo Figueiredo, vulgo ‘seu Vivi’, chegou com o cavaquinho e foi ficando ali na entrada, perto do portão da Rua Silveira Martins.

Começou a reunir gente e os mais velhos se tornaram seguidores. “Ele era caseiro numa clínica de cirurgia plástica em Botafogo e músico autodidata. Chorei de alegria quando encontrei este grupo. Depois que ele foi demitido ficou sem ter onde morar e, por sete anos, nos reunimos para pagar seu aluguel”, lembra Helen Souza, saudosa do amigo. “Aqui é o quintal da nossa casa”, emenda. Frequentada sobretudo por idosos, a roda de serestas é mais do que um ponto de encontro, serve de instrumento de socialização e bem-estar.

“As rodas de música significam muito. Serão objeto de um levantamento etnográfico, estudo que vai apontar informações sobre os moradores da região”, adianta Chagas, que, num domingo de maio, circulava pelos jardins para cumprimentar os frequentadores da seresta na aleia próxima ao coreto. Apresentou-se e conversou sobre os passos que pretende seguir na direção do museu.

No que o analista de sistemas aposentado Gilmar Santana, com tantã no colo, entrou na conversa de bate-pronto. “Temos acervo de fotografias e vídeos que podem ajudá-lo”, disse, antes de agradecer a atenção. Morador da Rua Pedro Américo, Gilmar descobriu a seresta em 1995. Ali curou a depressão pela morte da mulher. “O que fazemos aqui é terapêutico e social”. O aposentado e deficiente visual Waldir Domingues Lopes, 68 anos, concorda. Sempre que visita a mãe, que mora na Rua Barão de Guaratiba, passa para bater ponto ali. “Aqui nos sentimos incluídos”, garante. 

Mãe do poeta Eucanaã Ferraz, a pintora pernambucana Lourdes Ferraz, de 79 anos, é uma das organizadoras de outra das serestas, a de terça-feira. Além de cantar e dançar, está sempre com um sorriso estampado no rosto. “Morava na Tijuca e me mudei para a Rua Buarque de Macedo. Passando um dia, por acaso, uma moça me informou da música. Nunca mais deixei de vir, aqui encontrei amigos e o Eucanaã vem às vezes”.

O economista Miguel Zogahib organiza a seresta das quartas. “Acho um dos melhores lugares da cidade. É um local seguro, tem oxigênio de sobra e a reunião daqui é como se fosse de uma grande família”, avalia Zogahib, morador da Rua Corrêa Dutra. Cinema se recusa a exibir blockbuster Além das serestas, outro ponto que atrai o público nos jardins é o Cine Museu, sala de 75 lugares que apresenta filmes de arte para uma plateia fiel, sobretudo a feminina e acima dos 45 anos. A concessão está desde 2014 com Adil Tiscati e Fernanda Oliveira, que fundaram o Grupo Casal (também são donos do Cine Santa, Cine Candido Mendes, Cine Carioca Nova Brasília e Cine Casal, ex-Barra Point).

“Morador de Santa Teresa, eu não conhecia os jardins do museu. Hoje, costumo brincar que ali é o Central Park do Catete, porque é um jardim extremamente acolhedor para todo tipo de público”, comenta Adil. Em seu cinema, “Star Wars” não entra em cartaz: “É impressionante o nível de exigência e é a maior frequência entre as salas que administramos. São senhoras idosas, viúvas, que preferem dramas e filmes sobre relações humanas, gente que quer uma excelente fotografia, por exemplo. O filme da Juliete Binoche (‘Deixe a luz do sol entrar’), que foi considerado ‘discussão de relação’, a popular ‘DR’ na maior parte do circuito, no cinema do museu foi visto como obra-prima”, destaca.

Como direcionou Adil, há funcionários das empresas ao redor que circulam pelo jardim no horário do almoço, mães que levam os filhos pequenos para tomar sol ou para recreação nos brinquedos próximos à entrada do portão da Praia do Flamengo, turistas que aproveitam para tirar fotos, entre outros. Enfim, o museu está sempre de braços abertos para seus visitantes. E Chagas quer mais, sobretudo investindo no que a sua equipe pode oferecer. “Ela é formada por nove doutores e oito mestres. Temos potencial para avançar muito e em vários aspectos”, assegura. Ao longo de seu plano de trabalho, apresentado ao se candidatar à vaga, ele se reportou à fundação do museu, em 1960.

“A tentativa de definir o Museu da República só como ‘museu histórico’ corresponde a uma pulsão de asfixia, ou a um desejo de fixar âncoras em rasa zona de conforto”. Na prática, prega a descolonização dos museus. Quer que passem de necrófilos, ode a obras mortas, para biófilos, lugar de vida.