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Legislatura sem ânimo 

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A atual legislatura vai afivelando as malas em Brasília, pronta a dar por encerrados os quatro anos em que, entre outros tropeços, teve o dissabor de assistir ao colapso do prestígio dos agentes políticos, um cenário incômodo em que senadores e deputados tiveram protagonismo saliente. Muito criticados, para alguns setores da sociedade até mesmo dispensáveis, teriam eles a seu favor a inédita remoção de um ocupante da presidência da República; mas nem tanto, porque naquele momento dramático a condenação não cobrava o que Dilma deixou de fazer pela nação; limitou-se ao mal que praticou. No episódio, cedendo à imposição das ruas e das vozes, o Congresso cuidava apenas de olhar para trás. O insuficiente. 

Esses quatro anos, salvo honrosas exceções, que são honrosas exatamente por serem exceções, caracterizaram a caminhada das duas casas legislativas com indisposição de atacar questões sensíveis e estruturais, o que neste resto de ano torna-se mais difícil, por razões várias alegadas, além da eleição, como a proximidade da Copa do Mundo, desculpa que só teria racionalidade se algum senador ou deputado fosse convocado para servir à seleção... 

O marasmo agrava suas cores e se aprofunda com o aceno das urnas. Há uma crença, muitas vezes desmentida pelos fatos, de que temas polêmicos fazem mal à saúde eleitoral, mas sempre recomenda aos parlamentares avançar apenas sobre questões tangenciais. Projetos que requerem posicionamentos mais corajosos, mas podem desagradar ou desfigurar interesses ou setores influentes, esses entendem ser melhor deixar para depois. Jazem nas gavetas das comissões, e pode ser até que dali jamais ressuscitem. Reconheça-se: não se trata, contudo, de um erro recente, pois são gavetas que guardam inúmeras iniciativas do século passado. Mereceriam, ao menos, o indispensável trâmite, o que não se fez no quadriênio que vai acabar. 

Para confirmá-lo, ainda há pouco, ao contestar aspirações do Executivo de ver em pauta assuntos relacionados à política tributária, compensando a falência da reforma previdenciária, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reagiu, denunciando o interesse do Palácio do Planalto por projetos que não passam de ”café requentado”; implicitamente fazia a confissão de que temas tão importantes envelhecem, frios e insossos nas cafeteiras no Congresso. 

A proximidade eleitoral, portanto, figura como primeira inspiradora da listas de decisões postergadas, empacotadas e despachadas para a legislatura seguinte. Nove ou dez meses de trabalho seriam insuficientes para empreender e decidir. Há também, como detalhe interessante, a tendência das casas legislativas, estando elas em Brasília ou no Rio de Janeiro, de guardar e deixar para depois tudo que tem foros de consensual. Se ninguém discorda, por que não deixar para mais tarde?  Era o que intrigava Carlos Heitor Cony, ao chamar a isso, pouco antes de partir, de mal do ”consenso operacional”, concorrendo para a maldição da unanimidade, que não gera contestações e o contraditório, mas adia indefinidamente coisas que não podem esperar.