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Inflação e deflação

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Na semana passada, Mark Perry, professor de economia da Universidade de Michigan/EUA, autor do blog Carpe Diem, postou um gráfico no Twitter que alcançou ampla repercussão. Ele reproduz o histórico de preço de alguns produtos, serviços e itens dos índices que mensuram a evolução da inflação/deflação ao longo dos últimos vinte anos (1997/2017) para a economia norte-americana. 

O gráfico revela, de forma clara, que os setores da economia que têm pouca exposição à competição global (produtos não comercializáveis internacionalmente) apresentaram uma evolução de ganhos relativos elevados. O custo de serviços como educação, anuidades de universidades, hospitais mais que dobrou no período.   

Por outro lado, houve uma queda relativa acentuada nos preços de alimentação e vestuário, que subiram menos que a inflação geral. Os preços dessas categorias avançaram 48,40% e 1,5% contra uma inflação global no período de 55,6%. Além disso, os produtos ligados à área eletroeletrônica registraram deflação. 

Mesmo sem considerarmos as variações tecnológicas e os ganhos de qualidade associados com os produtos referidos, o fenômeno da deflação nos preços dos serviços de comunicação (-85,5%), produtos eletrônicos (-84,51%), material de informática (-65,20%) e celulares (-52,10%) é impressionante. Mas este aparente benefício associado à nova economia não foi incorporado à renda média dos norte-americanos no período. Na verdade, pode até ter contribuído para aumentar a desigualdade. 

Para uma inflação mediana acumulada de 55,61%, os salários dos trabalhadores nos EUA no geral tiveram reajustes inferiores, em torno de 55%. Houve perdas expressivas no poder de compra para os alocados em setores de baixa especialização e escolaridade. Já as categorias melhor qualificadas, em especial aquelas envolvidas com atividades relacionadas com a chamada nova economia, registraram ganho real na renda de até 25%. Além disso, a participação dos salários na renda nacional é decrescente há 10 anos, mesmo com o ganho de produtividade médio de quase 25% nos últimos dez anos. 

O que fica claro é que, após o período da globalização, é a economia digital, com o uso da internet, ampliação do comercio varejista e o aparecimento da economia do compartilhamento, que está mudando a forma de organizar a produção, a prestação de serviços e a comercialização de produtos e mercadorias. A diminuição do peso desses serviços no índice geral de preços, e por consequência da fatia de gastos das famílias, promete provocar uma profunda revisão dos fundamentos da própria economia.

Inflação e regulação

O post do professor Mark Perry repercutiu no mesmo período em que o mundo discutia as recentes medidas protecionistas do presidente Trump. Os comentários no blog indicam, porém, que os americanos estão muito mais preocupados com os chamados preços regulados do que com os riscos de uma economia mais fechada sobre os preços. 

A maior parte dos comentários apontou saúde e educação como os vilões do período. Não foram poucos os que sinalizaram que entre os itens que mais subiram estão aqueles sujeitos à captura regulatória do governo por agentes privados. 

Novamente, porém, cabe refletir sobre o impacto das novas tecnologias. Ao contrário do que ocorre em outros segmentos da economia, na saúde, elas ampliaram o número de procedimentos disponíveis, encareceram os tratamentos, fizeram com que os custos médicos e as despesas com hospital passassem a ser grandes vilões da inflação. 

O peso do aumento destes itens foi responsável pela crise no sistema de seguro saúde e levou a criação do Obamacare, tão odiado pela gestão Trump. 

A experiência brasileira

A economia americana é aberta e com uma prática concorrencial elevada. Foi possivelmente a que mais se beneficiou dos efeitos positivos da globalização. Já a economia brasileira é pouco competitiva, muito fechada às importações. Além disso, os preços domésticos ainda apresentam elevada indexação, atrelada a variação nos preços passados. Tarifas públicas, em geral, prestação de serviços de energia e comunicação são protegidas de eventuais perdas, o que pode ser um elemento de proteção a atividades com baixa concorrência. 

O resultado é que a inflação mediana no mesmo período, apesar da estabilização, foi de 260,43%. As maiores altas foram: Despesas com Saúde (283,13%), Educação (340,15%), Comunicação (359,87%) e Alimentação (300,16%). Com efeitos deflacionistas, atuaram Vestuário (189,93%) e Artigos de Residência (88,90%). 

Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, o Salário Mínimo teve um aumento real de 87,20% no período, enquanto a remuneração dos trabalhadores do setor privado subiu 7,8% em termos reais e a dos servidores públicos, 28,10%. 

O maior problema, porém, é que o processo hiperinflacionário vivido pelo Brasil nas décadas de 80 e em parte dos anos 90 criou, na população brasileira, a impressão de que a alta contínua e generalizada dos preços é um fenômeno quase natural, extensivo a todo tipo de produto e serviço.

De fato, a demanda por indexação e a rigidez nos preços relativos em várias categorias provocam uma retroalimentação de memórias e recordações. Acabando por criar a falsa impressão coletiva de que os preços sobem como uma onda, de forma proporcional, como se não houvesse nenhuma diferenciação entre as categorias. O resultado é que a deflação, mesmo quando ocorre em itens relevantes da cesta do brasileiro, não é percebida pelos consumidores em geral.